“Empreiteiro diz que doação a filho de Renan era propina
O empresário Ricardo Pessoa, dono das empreiteiras UTC e Constran, disse aos procuradores da Operação Lava Jato que as doações que fez à campanha do governador de Alagoas, Renan Filho (PMDB), no ano passado eram parte da propina paga para manter seus contratos na Petrobras.
Filho do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o governador recebeu R$ 1 milhão da UTC. A empreiteira repassou o dinheiro para o diretório estadual do PMDB em duas parcelas, em agosto e setembro (...)
Segundo o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que também fez acordo para confessar seus crimes e passou a colaborar com as investigações, Renan e outros líderes do PMDB garantiram o apoio político necessário à sua permanência na estatal e receberam parte dos recursos desviados pelo esquema.
O presidente do Senado nega qualquer tipo de envolvimento com corrupção. Por meio de sua assessoria, Renan Filho disse que as doações recebidas por sua campanha em Alagoas foram feitas conforme a legislação”.
A vasta maioria dos leitores lê a reportagem acima com um ‘é claro que era propina’ nos olhos. Mas, sem tomar partido em relação ao caso concreto descrito acima, doações partidárias são facilmente convertidas em propina e propinas são facilmente convertidas em doações partidárias. É impossível abrir a cabeça de quem está doando e de quem está recebendo a doação para saber as reais razões.
Há casos em que a intenção é óbvia. Deixam traços claros. Por exemplo, o empresário paga ao político para que o edital seja redigido de determinada forma; ou o político exige o dinheiro para não atrasar o pagamento à empreiteira. São claros exemplos de corrupção ativa e de concussão.
No outro extremo, há pessoas que doam simplesmente porque acreditam em um ideal.
Mas a maioria dos casos é muito menos óbvia. E é nesse vasto universo entre os extremos que doações partidárias legítimas se aproximam do crime.
Alguém que doa porque acredita que determinado partido irá investir em estradas ou na construção de hospitais pode estar muito bem doando porque acredita que é função do Estado construir tais obras e não da iniciativa privada. Mas e se quem doou é dono de uma empreiteira que constrói estradas e hospitais e tem a ganhar se tal partido ou político chegar ao poder?
Para a lei eleitoral, ambas as doações são idênticas. Do ponto de vista moral, são muito diferentes.
E se alguém doa porque está cansado de ver estatais envolvidas em corrupção ou sendo mal gerenciadas e quer um governante que enxugue o Estado através de privatizações? E se esse mesmo alguém é um empresário que tem interesse em adquirir estatais em um processo de privatização daquele mesmo futuro governo?
Novamente, ambas as doações são idênticas do ponto de vista legal. A lei não tem como olhar o coração de quem doa ou recebe.
Uma ideia recorrente para eliminar parte do problema é proibir doações de empresas, mas isso não impede que o empresário doe. Deveríamos, então, proibir empresários de doarem, mas teríamos também que proibir cônjuges, filhos, tios, primos, netos e qualquer familiar de tais empresários. Ou teríamos que proibir empresários de doarem para seus próprios familiares para eliminar o risco de tais familiares doarem para políticos dinheiro que ganharam do parente rico.
Mas seria injusto proibirmos empresários mas não outros grupos que têm interesse direto na eleição desse ou daquele político? Seria, por exemplo, preciso proibir doações de servidores públicos (afinal, decisões de políticos afetam diretamente a vida profissional de tais servidores), aposentados (já que decisões de políticos afetam suas aposentadorias), homossexuais (que têm interesse em leis sobre casamento entre pessoas do mesmo sexo), religiosos (que têm interesses opostos) e assim por diante. Não sobraria ninguém.
Enfim: as ideias mais comuns parecem não resistir ao primeiro teste. Mas há algumas alternativas mais resistentes.
As três mais óbvias são (a) colocar um teto máximo ao valor a ser doado. Teto este baixo e com valor fixo e não baseado em um percentual da renda de quem doa. Um teto além do qual quem doar está cometendo não só um crime, mas também impede quem doou e suas empresas ou empresas de familiares de manterem ou celebrarem novos contratos com qualquer órgão da administração pública direta ou indireta de qualquer esfera de poder por um longo período. A segunda é (b) impedir que uma pessoa física ou jurídica doe para mais de um partido em qualquer esfera de poder em determinada eleição, evitando assim que uma mesma pessoa doe para partidos opostos apenas para garantir sua influência sobre quem quer que esteja no poder. E a terceira é (c) eliminar a possibilidade de doações nos últimos meses antes das eleições, impedindo que as pessoas doem de acordo com as pesquisas eleitorais, forçando doações baseadas em convicções políticas.
Propostas como essas limitam em certo grau a influência indevida de quem doa a quem recebe, e impede quem recebe de exercer seu poder para extorquir dinheiro por meio de doações. Em outras palavras, cria um espaço maior entre doação com razões legítimas e propina.