“Patrimônio de Youssef é bem maior que o declarado
O empresário Leonardo Meirelles, que foi sócio de Alberto Youssef, diz que o doleiro tem patrimônio oculto e sociedades com empreiteiras que não foram declaradas no acordo de delação premiada que fez com procuradores.
Se isso for comprovado, o acordo pode ser anulado.
Em entrevista à Folha, Meirelles disse que o doleiro teria de R$ 150 milhões a 200 milhões, e não cerca de R$ 50 milhões, como está no acordo (...)
Folha - Você era laranja do Alberto Youssef?
Leonardo Meirelles - Não. Eu emprestava empresas para ele fazer remessas e ganhava 1% do valor. Ganhei US$ 1,5 milhão, ou quase R$ 4 milhões, em quatro anos (...)
Ele comentava isso?
Não, mas estava na sala dele para receber instruções e ouvia as conversas.
Youssef era sócio de Ricardo Pessoa, da UTC, em um hotel e um empreendimento imobiliário. Ele era sócio de outras empreiteiras?
De forma oculta, sim. Em vários processos que ele intermediou para as empreiteiras, em vez de ganhar recursos, ele adquiriu percentuais do projeto.
Você sabe de algum caso?
Tenho de resguardar os casos porque estão sob investigação. Estou colaborando com a Polícia Federal. Isso ocorreu com três ou quatro empreiteiras. Nesses empreendimentos, são criados FIPs, fundos de investimento em participações.
Como assim?
Você cria um fundo de investimento e uma sociedade de propósito específico: consta o que será feito, o regimento que será seguido e o número de cotas.
Essa empresa compra um terreno para fazer uma construção. Essa empresa não tem acionistas, tem cotas e essas cotas são ao portador. Não dá para saber quem são todos os cotistas. Isso é legal, amplamente utilizado e serve para construir de prédios a hidrelétricas.”
As sociedade de propósito específico (‘SPE’) são muito comuns no mundo comercial e industrial e não têm nada de criminosas em si.
Uma SPE nada mais é do que uma empresa comum (por exemplo, uma sociedade limitada, uma companhia fechada ou mesmo aberta), que é criada para atingir um objetivo específico. Por exemplo, se você é um estaleiro contratado para construir um navio, você provavelmente não irá construir o navio em nome do estaleiro porque se algo der errado durante a construção, todos os bens do estaleiro respondem pelas perdas. O que você provavelmente fará é criar uma subsidiária com o propósito específico de construir aquele navio. Se tudo der certo, a subsidiária construirá o navio, receberá o dinheiro do comprador e o repassará para a empresa controladora. Feito isso, fecha-se aquela subsidiária porque ela alcançou o propósito específico (construir determinado navio) ao qual se destinava.
É comum que empresas que consideram a possibilidade de formar um consórcio acabem estabelecendo uma SPEs. Se duas grandes construtoras resolvem construir um estádio de futebol juntas, em vez de entrarem em um contrato extremamente complexo sobre os direitos e obrigações de cada uma em relação àquela obra, formam uma SPE da qual cada uma é sócia e aquela SPE é quem se torna única responsável pela obra. Uma vez que o estádio tenha sido concluído, a SPE divide o dinheiro e ativos entre as duas construtoras e encerra suas atividades. Dor de cabeça resolvida.
Empresas originadas de parcerias público-privada também podem ser SPEs.
Em países desenvolvidos, as SPVs (‘special purpose vehicles’, sigla em inglês das SPEs) são extremamente comuns. Servem tanto para diminuir o risco dos donos (normalmente outras empresas), como para reduzir a carga tributária, bem como para facilitar a participação de várias empresas para atingir um objetivo em comum.
Logo, SPE não significa ilegalidade.
Tampouco fundos de investimentos em participações são ilegais. Pelo contrário, são estritamente regulamentados pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Eles nada mais são do que um grupo de pessoas (físicas ou jurídicas) que agregam seus recursos financeiros para investir em algo. Noventa por cento desse ‘algo’ precisa ser ações, debêntures ou outros títulos e valores mobiliários conversíveis em ações de companhias abertas ou fechadas. Logo, dependendo da configuração da SPE, tais fundos podem investir todo seu capital emu ma SPE.
Você muito provavelmente tem dinheiro investido em fundos de investimento em participações sem saber (por exemplo, através de fundos de pensão).
O que o entrevistado na reportagem acima descreveu é apenas que várias pessoas formaram um fundo para investir em empresas, e parte ou a totalidade desse fundo foi investida em SPEs. Não há ilegalidade nisso.
Em alguns países, as cotas do fundo de investimento podem ser ao portador (e, nesse caso, o pedaço de papel que diz o número de cotas dá a quem o possui o direito de acessar aquela cota) ou nominal (e, neste caso, o nome da pessoa consta naquele pedaço de papel e só aquela pessoa tem direito àquelas cotas citadas no papel). Se for ao portador, quem quer que detenha o pedaço de papel será, indiretamente, sócio da empresa (SPE) na qual o fundo investiu.
O problema de títulos ao portador é justamente que ninguém sabe quem é seu proprietário. Por isso, desde 1990, no Brasil, não se pode ter valores mobiliários (por exemplo, ações de empresas) ou cambiais ao portador. Segundo uma instrução da CVM, fundos de investimentos em participações devem ser sempre nominais. Mas como em outros países ainda existem cotas ao portador em fundos similares, indiretamente é possível investimentos anônimos no Brasil.