“A hipótese de culpa para o impeachment
Examinei, em seguida, o artigo 9º, inciso 3º, da Lei do Impeachment (nº 1.079/50 com as modificações da lei nº 10.028/00) que determina: ‘São crimes de responsabilidade contra a probidade de administração: 3 - Não tornar efetiva a responsabilidade de seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição’.
A seguir, estudei os artigos 138, 139 e 142 da Lei das SAs, que impõem, principalmente no artigo 142, inciso 3º, responsabilidade dos Conselhos de Administração na fiscalização da gestão de seus diretores, com amplitude absoluta deste poder.
Por fim, debrucei-me sobre o parágrafo 4º, do artigo 37, da Constituição Federal, que cuida da improbidade administrativa e sobre o artigo 11 da lei nº 8.429/92, que declara: 'Constitui ato de improbidade administrativa que atente contra os princípios da administração pública ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições'.
Ao interpretar o conjunto dos dispositivos citados, entendo que a culpa é hipótese de improbidade administrativa, a que se refere o artigo 85, inciso 5º, da Lei Suprema dedicado ao impeachment (...)
E a insistência, no seu primeiro e segundo mandatos, em manter a mesma diretoria que levou à destruição da Petrobras está a demonstrar que a improbidade por culpa fica caracterizada, continuando de um mandato ao outro.”
Deixando de lado as razões ideológicas, profissionais ou mesmo religiosas pelas quais queremos ou não queremos essa ou aquela pessoa no governo ou fora do governo, e focando apenas no ponto de vista jurídico, a questão levantada no artigo acima certamente não é tão fácil quanto pode parecer.
O impeachment ocorre nos crimes de responsabilidade. A lei 1079/50 estabelece alguns tipos de crimes considerados de responsabilidade: contra a existência da União, contra o livre exercício dos poderes constitucionais, contra o exercícios dos direitos políticos, individuais e sociais, contra segurança interna do país, contra a lei orçamentária, contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos, contra o cumprimento das decisões judiciais, e contra a probidade administrativa. É nesse último grupo que entra os casos de corrupção de subordinados. Até aqui, o artigo acima não gera debate.
Mas comecemos do início: crime, é direito penal.
No mundo penal, a culpa só existe se houver negligência, imprudência ou imperícia. A omissão em si não gera culpa. No direito penal, a omissão só passa a ser penalmente relevante (art. 12 do Código Penal) quando quem se omite devia e podia agir para evitar o resultado.
Segundo a mesma lei, esse dever de agir incumbe a quem tenha por lei obrigação cuidar, proteger ou vigiar, ou quem de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado, ou quem com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. É por isso, por exemplo, que você não é culpado pelo sofrimento e morte do mendigo faminto na calçada de sua casa, mas é culpado se serve a ele comida contaminada. No primeiro caso, você não tinha obrigação, mas no segundo caso você criou o risco (é também por isso que tantos médicos - especialmente nos EUA - se recusam a prestar socorro em aviões: se deixam o paciente morrer, não têm culpa, mas se tentam ajudar e o paciente acaba morrendo, há a possibilidade de terem assumido a responsabilidade ou mesmo terem criado um novo risco através da intervenção sem aparelhos adequados).
Mesmo se fôssemos usar o critério do Código Civil (cujo o patamar é mais baixo), a omissão só seria ilícita se ela fosse voluntária. A simples omissão não é um ato ilícito. A lógica é óbvia: você não pode ser culpado daquilo que desconhece.
Logo, o presidente só pode ser considerado legalmente omisso se ele chamou para si a responsabilidade, se tinha, por lei, a obrigação de agir ou se seu comportamento anterior gerou o resultado.
À primeira vista ele tem, sim, a obrigação legal de evitar casos de corrupção. Mas isso só é penalmente relevante se ele sabia que havia corrupção e resolveu nada fazer. Ou seja, deixou por isso mesmo. Se a partir do momento que ele sabe que há corrupção e nada faz, ele está se expondo a um processo de impeachment. Mas até ali, não há como dizer que ele se omitiu. Você não pode se omitir em relação àquilo que desconhece. Caso contrário, todo governador poderia sofrer impeachment porque o guarda pediu propina a um motorista para não multá-lo.
Sim, o presidente tem a obrigação legal de impedir o resultado, mas isso dentro dos parâmetros da racionalidade. Não é a qualquer custo. Caso contrário, o presidente, governador ou prefeito seriam criminalmente responsáveis sempre que qualquer servidor cometesse um delito funcional.
Sua obrigação é de agir quando há ‘manifesto’ delito funcional. ‘Manifesto’ não é apenas suspeito. É aquilo que é óbvio, claro. A lei não exige que ele tenha bola de cristal para adivinhar quem está cometendo delitos funcionais, mas que tenha bom senso para tirar quem dá claros indícios de que está cometendo tais delitos.
Ademais, manifesto não é a mera suspeição ou achismo ou denuncismo. Tampouco é necessário que se chegue a uma condenação penal. É aquilo que, analisando-se racionalmente os dados em mãos, é muito provável que tenha ocorrido.
‘Ah, mas depois que ele tomou ciência dos fatos, quanto tempo ele tem para agir antes de passar a ser uma omissão do ponto de vista jurídico?’
A lei não diz. E isso é um julgamento dos fatos, a ser feito pela Câmara dos Deputados quando analisa o pedido de abertura do processo de impeachment. Daí por que não dá para falarmos que há fundamento jurídico. O fundamento jurídico no caso é essencialmente consequência da análise factual, e não o contrário.