“Pastor Feliciano diz na TV que 'por enquanto' fica na comissão
Acusado de ter opiniões homofóbicas e racistas por militantes dos direitos humanos, Feliciano dividiu o palco com Angelis Borges, 27, vencedora do programa ‘Fazenda de Verão’ (Record). Durante o reality show, Angelis manteve um relacionamento com a estilista Manoella Stoltz, 28.
O clima entre os dois foi respeitoso, eles chegaram a posar juntos para foto ao lado do apresentador Marcelo de Carvalho, 51 (...)
O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), afirmou na quinta-feira que a situação do pastor na presidência da comissão está ‘insustentável’.
O pastor responde a inquérito por preconceito [sic]. Ele nega ser homofóbico, mas diz ser contra a união entre pessoas do mesmo sexo.”
Esse é um campo minado nas esferas sociais e políticas. Um político dizer que aprova ou desaprova casamento entre pessoas do mesmo sexo, aborto etc é garantia de controvérsia.
Mas temos de fazer uma distinção entre o que é politica e socialmente rejeitável e o que é juridicamente relevante.
Uma das características da democracia é que ela precisa proteger o direito de falar mesmo daqueles que deveriam ficar calados. Em um estado democrático, precisamos proteger a liberdade de expressão mesmo dos intolerantes (ou intoleráveis).
Mas isso não quer dizer que o direito de dizer o que se pensa seja irrestrito.
A própria democracia protege por meio de leis penais aquilo que é intolerável e que precisa ser punido.
Daí que alguns crimes podem ser cometidos através do que é dito. Huguinho pode pensar o que quiser de Zezinho, mas ao expressar sua opinião sobre Zezinho, pode acabar por ofender sua honra e se sujeitar a um processo (ou dois: um civil e outro criminal). A incitação ao suicídio (aquele pessoal que fica embaixo do prédio gritando ‘pula, vagabundo’) pode ser crime se o suicida pular por causa dos gritos. Incitar publicamente a prática de um crime (‘mate o presidente’) ou fazer apologia a um crime (ou criminoso) também são crimes. E esses são apenas alguns exemplos.
Pensar não é crime (você pode matar quem quiser em seus sonhos). Mas se ao expressar seus pensamentos você passa a ferir o direito alheio, você é responsável pelo que diz (ou escreve ou de qualquer outra forma expressa).
Mas há outras limitações que não são penais.
Às vezes as limitações são contratuais: é comum executivos assinarem contratos que os impedem de falar mal a respeito da empresa da qual saíram, por exemplo. Às vezes são oriundas das normas que regem determinada profissão (um advogado ou um psicólogo não pode sair dizendo que pensa de seu cliente). E há várias outras formas de limitação.
Um parlamentar, contudo, é inviolável em relação a suas opiniões. E precisa ser assim. Afinal, ele foi eleito para representar a opinião de uma parcela da população (o pagamos justamente para ele dizer e defender o que pensa).
Se não queremos que ele expresse suas ideias, não devemos elegê-lo. Se o elegemos, a regra da nossa democracia é que ele pode dizer o que pensa, por mais retrógrado ou revolucionário que seja.
Por irônico que seja, parlamentares não precisam ter opiniões politicamente corretas. Se não gostamos de suas ideias, não devemos elegê-lo. Se o elegemos, aceitamos as consequências da regra democrática. Não dá para, depois de eleito, dizermos que ele deve mudar de opinião porque sua opinião é politicamente incorreta.
Isso quer dizer que o parlamentar possa dizer qualquer coisa?
Não. Embora ele seja inviolável por suas opiniões, ele também está sujeito a algumas limitações penais, como por exemplo, a incitação a crime (se ele for condenado com sentença transitada em julgado ele perde seu mandato).
Mas também porque ele está sujeito às limitações do decoro parlamentar.
O decoro não é o que é desejável, mas o que é moral e socialmente aceitável. A distinção é importante. Desejável é um objetivo a ser alcançado; aceitável é um grau mínimo abaixo do qual não se deve cair. Decoro, portanto, não significa que a conduta deva ser impecável. Basta que não caia na lama.
Logo, o parlamentar pode dizer o que pensa, mas ele deve tomar cuidados básicos a respeito de como ele expressa suas opiniões. Ele pode dizer, por exemplo, que é contra (ou a favor) de relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, aborto, pena de morte, etc, mas ele não pode usar termos pejorativos para expressar tais opiniões (daí parlamentares dizerem ‘vossa excelência falta com a verdade’ em vez de ‘você é um mentiroso’).
O problema surge porque nem sempre é fácil distinguir o que é opinião e o que é a mera forma de expressão de uma opinião. Por exemplo, dizer que ‘homossexuais têm sentimentos podres’ é pura opinião (coberta pela inviolabilidade) ou é uma ofensa - 'gays são podres' - disfarçada de opinião (por isso sujeita aos limites do decoro)?