“Cobradores expulsam passageiros sem trocado
O passageiro entrega uma nota de R$ 10 a um motorista de ônibus urbano em Ribeirão Preto e aguarda o troco. A resposta que ele recebe é: ‘Não tenho troco’
Ao ser questionado pelo passageiro o que deveria ser feito, o motorista é taxativo: ‘desça do ônibus’.
O cenário, surreal, tem ocorrido na cidade com frequência, segundo usuários do sistema relataram à reportagem. Segundo passageiros ouvidos, o problema nos ônibus da cidade é rotineiro, principalmente no início da manhã e durante a noite.
A passagem em Ribeirão custa R$ 2,60. A Transurb (associação das empresas de transporte coletivo urbano de Ribeirão Preto) negou a falta de troco. O Seturp (Sindicato dos Empregados das Empresas de Transporte Urbano de Ribeirão Preto), no entanto, confirmou o problema.”
Vamos imaginar três situações distintas:
Primeiro, se o motorista ou trocador mandar o passageiro descer, eles estão indo contra o art. 39, IX do Código de Defesa do Consumidor, que diz que é prática abusiva “recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento”.
Outra possibilidade é o vendedor dar algo em troca. Por exemplo, a pessoa no caixa da padaria, sem troco, dá o troco em chocolates. Os juristas e economistas chamam isso de venda casada, ou seja, você só pode comprar algo (por exemplo, o pão) se comprar outra coisa (no nosso exemplo, os chocolates). O troco pago em chocolate, no caso, está sendo considerado uma venda casada porque você não queria compra-lo. Você só o comprou porque queria comprar o pão e o atendente do caixa se recusou a vende-lo exceto se você também levasse os chocolates. Isso viola três leis que estabelecem punições diferentes:
O art. 11, alínea “i” da Lei Delega 4/62 estabelece uma multa de 200 mil UFIRs para quem “subordinar a venda de um produto à compra simultânea de outro produto ou à compra de uma quantidade imposta”.
O art. 39, inciso I do Código de Defesa do Consumidor diz que é prática abusiva “condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço (...)”. Aqui, é a padaria que é punida, e as punições podem variar de multa até a perda da licença para funcionar.
Por fim, o art. 5o, inciso II da Lei 8.137/90 diz que é crime contra as relações de consumo “subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de outro bem, ou ao uso de determinado serviço”. A pena varia entre 2 e 5 anos de reclusão, além da multa.
Mas e se o motoristas ou trocadores se recusar a dar o troco? Primeiro, o art. 42 do Código de Defesa do Consumidor diz que “O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”. Esse artigo não foi feito pensando em relações de consumo-e-pagamento imediata (quando ele foi feito, a ideia era aplica-lo ao consumidor que recebe o produto/serviço agora mas irá pagar apenas no futuro), mas lendo-o com cuidado, dá para ver que ele pode ser usado aqui também. O usuário do transporte que foi cobrado a mais tem direito a receber em dobro aquilo que foi cobrado a mais. Mas existe uma segunda possibilidade aqui: esse troco está indo para em algum lugar. O patrimônio do passageiro está sendo diminuído indevidamente. O passageiro entregou o valor a mais para o trocador esperando receber o troco. O troco é um valor que estava com o trocador apenas temporariamente: se ele se recusa a entrega-lo de volta para o passageiro e, ao invés disso, fica com ele para si, pode estar configurado o crime de apropriação indébita.