“Segundo servidores, Vieira dizia influir na Presidência
Servidores da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) afirmam que Paulo Vieira, ex-diretor da ANA (Agência Nacional de Águas), citava, em reuniões, ter influência junto à Presidência da República, ao ex-ministro José Dirceu e ao deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP) ao discutir pareceres emitidos pelo órgão (...)
Segundo os depoimentos, Vieira ‘afirmava que fora nomeado pelo presidente da República’. Ele foi nomeado pelo ex-presidente Lula, a pedido de Rosemary Noronha, ex-chefe de gabinete da Presidência em São Paulo.
De acordo com a conclusão da AGU, divulgada ontem, Vieira ‘tentava demonstrar acintosamente que tinha poderes para indicar pessoas a altos cargos públicos’. Além do presidente, ele dizia ter acesso a Dirceu e Costa Neto”
Alguém dizer que é poderoso e tem influência não é problema. Ou melhor, é o tipo de problema que interessa aos psicanalistas, e não aos juristas.
Mas a partir do momento em que essa pessoa passa a usar essa bravata para ganhar algo com isso, passa a ser um crime conhecido como tráfico de influência, previsto no art. 332 de nosso Código Penal, e que é definido como “solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função”. A pena varia entre 2 e 5 anos de reclusão além de multa.
A lei não diz que o bufão tenha, de fato, que ter influência. Mas ele precisa parecer ter influência.
Se é óbvio que a pessoa não tem qualquer influência ou não tem capacidade de ter qualquer influência, não há crime. É o que os juristas chamam de crime impossível: qualquer pessoa normal perceberia rapidamente que aquela pessoa está mentindo. Logo, a pessoa precisa parecer ter influência para que haja o crime.
A vantagem à qual a lei se refere pode ser de qualquer tipo. Dinheiro, bens, sexo, ou alguma vantagem moral ou imaterial. E a vantagem pode até não ter sido dada: basta que haja uma promessa de vantagem, isto é, a pessoa diz agora que dará uma vantagem no futuro por causa da capacidade do criminoso influir na servidor público.
O tal servidor público sobre o qual o criminoso diz ter influência não precisa sequer existir de verdade. Ele pode ser uma invenção da cabeça do criminoso. Isso porque o que a lei quer proteger não é a reputação de um servidor público específico, mas a respeitabilidade do serviço público em geral. A vítima do crime não é um servidor público, mas a administração pública.
Quem paga também pode ser vítima. É o que chamamos de vítima secundária. Ainda que seu objetivo fosse ilícito. O fato de ele ter pago para ter um ganho ilegal não o impede de ser vítima do crime.
Vamos imaginar três cenários:
Imagine que Zezinho diga a Huguinho que tem influência sobre a ministra Margarida e pode ajudar na liberação de uma verba se Huguinho lhe der uma passagem aérea para os EUA. No primeiro cenário, Zezinho mentiu a respeito dessa influência: ele nunca nem viu a ministra. Nesse caso, ele cometeu o crime de tráfico de influência.
No segundo cenário, Zezinho de fato tem influência e tenta subornar a ministra. Aqui, ambos – Zezinho e Huguinho – cometeram o crime de corrupção ativa. Mas isso não quer dizer que a ministra Margarida tenha cometido um crime. Ela só terá sido corrompida (corrupção passiva) se ela pediu ou aceitou alguma vantagem ou promessa de vantagem da dupla.
No terceiro cenário, ele tem influência sobre a ministra, mas não a usa, ou seja, apenas usou de sua conexão para receber uma vantagem de Huguinho. Ele não terá cometido corrupção ativa porque ele não tentou corromper a ministra. Seu crime terá sido tráfico de influência.
Um último detalhe importante: o tráfico de influência ocorre quando a pessoa solicita, exige ou cobra. Todas condutas ativas. Mas ele também ocorre quando a pessoa obtém um vantagem. O verbo obter é muito mais amplo e inclui condutas passiva. Se alguém deposita – sem que lhe fosse solicitado – dinheiro na conta de uma pessoa (ou lhe dá um presente) porque essa pessoa diz ter influência sobre o servidor público, e essa pessoa não devolve o dinheiro ou recusa o presente, ele terá cometido o tráfico de influência pois obteve uma vantagem a pretexto de influir nos atos do servidor público.