“Três pessoas da mesma família - o pai, a mãe e uma filha - foram presas em Várzea Paulista (SP) acusadas de tentar esconder a morte de um dos filhos, de oito anos, assassinado pela irmã, de 16, segundo o Ministério Público.
Essa morte ocorreu, segundo a Promotoria, após uma série de torturas praticadas pela jovem contra o menino, com a conivência da família. A irmã se irritou porque o garoto não parava de tossir. Na investigação, a Promotoria descobriu que o menino (e outros irmãos) há um ano era vítima de torturas, as crianças eram obrigadas a comer e beber seus próprios dejetos. O crime aconteceu em julho e a prisão foi decretada pela Justiça na sexta, a pedido da Promotoria.”
Se os fatos narrados tiverem realmente ocorrido, os suspeitos podem ser processados por mais de um crime.
Primeiro, esconder um cadáver é crime. O respeito aos mortos, ou mais precisamente, à sua memória, é algo importante para nosso direito. O crime para quem esconde o cadáver é o que chamamos de ‘destruição, subtração ou ocultação de cadáver’ e está previsto no artigo 211 do Código Penal. Gera pena de reclusão de até três anos.
Segundo, esconder a existência de um crime pode ser um crime em si. Se a pessoa sabe que um crime vai acontecer ou está acontecendo, e nada faz, ela está sendo omissa. Segundo nosso Código Penal, se a pessoa, sem precisar expor-se ao perigo, deve e pode agir para impedir um crime, ela tem a obrigação de fazê-lo, caso contrário ela estará sendo omissa. As palavras relevantes aqui são ‘dever’ e ‘poder’. Poder é ter a possibilidade de agir sem se expor ao perigo. E, segundo o artigo 13, quem tem a obrigação de proteger (ou seja, os pais), tem também a obrigação de impedir que o crime ocorra. Se o crime ocorrer, a pessoa pode responder por omissão de socorro, pois deixou de proteger alguém que estava em iminente perigo. Se a situação é tal que o juiz fica convencido que eles não só não prestaram socorro mas que eles também abandonaram a criança ao perigo, ou seja, que deixaram de funcionar como uma barreira contra os riscos contra os quais a criança ainda não está preparada para se defender, eles podem responder pelo crime de abandono de incapaz.
Mas a conduta pode ser ainda mais séria: eles não precisam ter matado para terem participado do crime de homicídio ou lesão corporal seguida de morte. Se eles de qualquer maneira contribuíram para que o crime ocorresse (por exemplo, se autorizaram que a criança fosse agredida ou impediram que ela gritasse ou não deixaram que os vizinhos socorressem), eles podem ser considerados partícipes ou co-autores do crime de homicídio (ou de lesão corporal seguida de morte). Partícipe é aquele que tem uma participação menor no delito. Co-autor é aquele que tem uma participação mais relevante.