“Pai de garoto pode receber perdão judicial
A delegada Lucy Mastellini Fernandes disse ontem que ainda não sabe o que fará em relação ao pai da criança.
Ela afirma que o guarda-civil municipal Milton Evangelista Nogueira, 42, pode ser indiciado sob a suspeita de negligência ou omissão na guarda de arma de fogo, mas ainda não está certa disso.
‘Esse pai já está sofrendo muito. Preciso analisar o Estatuto do Desarmamento e estudar o que poderá ser feito contra ele. Se é que será feito alguma coisa’, afirmou.
Futuramente, quando o inquérito policial chegar a um juiz, Nogueira poderá receber o perdão judicial, que é quando o Judiciário reconhece que aconteceu um crime, mas que as consequências dele foram tão severas que não é necessário aplicar uma pena.
É o mesmo procedimento que costuma ocorrer nos casos em que um pai esquece um bebê dentro de um carro e ele morre. Ou seja, a perda de um filho é maior do que a privação de liberdade ou qualquer outra punição que a Justiça possa determinar ao acusado pela morte.”
A explicação sobre o que é o perdão judicial está incorreta. Ele ocorre quando o juiz reconhece que aconteceu um crime, mas que as consequências dele foram tão severas para o próprio autor do crime que não vale a pena puni-lo. Todo crime tem consequências. Para que haja perdão judicial, é necessário que as consequências sejam severas em relação ao autor. Além disso, haverá pena, sim. O que não haverá é sua execução. Ou seja, a pessoa recebe uma pena, mas na mesma sentença em que recebeu a pena, o juiz diz que a pena não será executada. Se não houvesse pena não haveria necessidade de perdão, oras.
Mas existe mais um detalhe importante: ninguém sabe de qual crime esse pai pode ser culpado ou mesmo se ele pode ser culpado de algum crime. Reparem que a delegada diz isso claramente na própria matéria. E o perdão judicial não existe para qualquer crime. Ele existe apenas para alguns crimes, claramente definidos em lei:
- Homicídio culposo (art. 121, §5º do Código Penal)
- Lesão corporal culposa (art. 129, §8º do Código Penal)
- Injúria (art. 140, §1º do Código Penal)
- Injúria na propaganda eleitoral (art. 326, § 1º da Lei 4.737/65)
- Fraude contra hotéis, restaurantes ou meios de transporte (art. 176, parágrafo único)
- Receptação (art. 180, §5º do Código Penal)
- Parto suposto por motivo de reconhecida nobreza (art. 242, parágrafo único, do Código Penal)
- Subtração de incapaz (art. 249, §2º do Código Penal)
- Nos casos de ignorância de contravenção penal (art. 8º da Lei de Contravenções Penais)
- Participação de associação secreta (ar.39, §2º da Lei de Contravenções Penais ).
- Crimes contra a segurança nacional (art. 36 da Lei 1.802/53)
O único caso em que há um perdão judicial genérico (aplicável a qualquer tipo de crime) é o do caso de delinquentes que tenha colaborado com a justiça, no caso da lei de proteção às testemunhas.
Se ninguém sabe qual o crime que a pessoa pode ter cometido, e (como a delegada deixa claro) nem sequer dá para saber se ele cometeu algum crime, como é que podemos falar de perdão judicial? Só é possível falar em perdão judicial depois que sabemos qual crime foi cometido e se tal crime é ou não um daqueles nos quais o juiz pode conceder o perdão.