“Rota é suspeita de emboscada para dar ‘recado’ a ladrões
A operação da Rota (grupo especial da PM) e do 18º Batalhão, que resultou na morte de seis homens que tentavam roubar caixas eletrônicos, pode ter sido uma emboscada, segundo investigação da Polícia Civil, da Corregedoria da PM e do Ministério Público Estadual.
Inicialmente, o tenente-coronel Paulo Telhada, chefe da Rota, e o capitão Fábio Paganotto Carvalho, do 18º Batalhão, disseram à PM que a Rota estava em Santo André e foi chamada após a polícia ser avisada do assalto ao CompreBem de Parada de Taipas, zona norte, no dia 5.
Os investigadores do caso, porém, foram avisados por policiais que os PMs chegaram ao local quatro horas antes e ficaram de tocaia até a chegada dos ladrões.
A Folha apurou que a suspeita é que a ação foi premeditada para ‘mandar um recado’ aos ladrões de caixas eletrônicos - 500 equipamentos foram atacados em SP neste ano (…)
A Folha obteve 71 fotografias do local do crime e as enviou para Nelson Massini, professor da Faculdade de Direito da Uerj e uma das maiores autoridades em medicina legal do Brasil.
Para ele, a precisão dos tiros dados pelos PMs - a maior parte na cabeça - indica que não havia a intenção de prender, mas de matar.
‘Nos corpos, há lesões que indicam que eles podem ter sido rendidos e mortos depois. Também há tiros nas mãos, o que evidencia uma tentativa de defesa’”.
Flagrante esperado é aquele em que a polícia suspeita que um delito irá acontecer e resolve esperar ('ficar de tocaia') até que os criminosos comecem a praticar o crime para só então prendê-los. Isso é algo legalmente válido e comum na prática.
Se a polícia sabe ou suspeita que um crime vai acontecer, por que ela já não prende de uma vez? Porque ninguém pode ser preso por pensar em cometer um crime. A pessoa só pode ser presa a partir do momento em que começa a agir de forma a cometer o crime. Por exemplo, se Zezinho imagina que é uma boa idéia furtar o dinheiro em um caixa eletrônico e decide que fará isso hoje a noite, ele ainda não cometeu nenhum crime. Ele, em outras palavras, ainda não externalizou a sua vontade. O crime, por enquanto, só existe em sua cabeça, e ninguém pode ser preso por isso. Caso contrário, todos nós poderíamos acusar nossos inimigos de crimes em pensamento. Tente imaginar como isso seria complicado de ser provado.
Já se Zezinho entra no carro para ir ao caixa eletrônico, ele está externalizando sua vontade, ou seja, ele passou a agir. Mas a polícia pode prendê-lo? Não. Isso porque ele ainda não cometeu nenhum crime. Ele pode estar indo ao caixa eletrônico com a intenção de explodi-lo, de retirar dinheiro legalmente ou simplesmente para admirar sua beleza. Não há, ainda, como a polícia saber qual é sua intenção.
Óbvio que se a polícia o parar e descobrir armas, explosivos etc dentro do carro, ela pode prendê-lo. Mas essa prisão será por outros delitos, com porte ilegal de armas e de material explosivo, mas não pela tentativa de crime de furto do caixa eletrônico porque até aquele momento ele não agiu ilegalmente em relação ao seu objetivo: destruir o caixa para pegar o dinheiro.
Mas quando ele finalmente chegar ao caixa e retirar os explosivos do carro e colocá-los no caixa, ele passou a agir ilegalmente. Se a polícia o prender nesse momento, contudo, ele será preso pela tentativa de furto já que ele ainda não furtou. E a pena para a tentativa é bem menor (de um a dois terços). Apenas no momento em que ele explodir o caixa é que ele será preso por furto.
E é por isso que a polícia fica de tocaia aguardando o crime acontecer para poder prender o suspeito. Se o crime ainda não aconteceu, ela só o poderia prender por tentativa ou por algum outro delito já cometido durante a preparação.
Mas isso não quer dizer que a polícia possa matar o ladrão. A tocaia serve para prendê-lo, apenas. A polícia só pode atirar para matar para se defender ou para defender outra pessoa. Fora isso, ela pode atirar – mas não para matar – para parar um crime em andamento, uma tentativa de fuga etc. E é por isso que é tão importante saber se os tiros foram para matar. No caso da matéria acima, é isso que a Justiça vai precisar descobrir no processo. A emboscada (ficar escondido para surpreender alguém) em si não é ilegal.
E, apenas para lembrar, o legista entrevistado na matéria deu sua opinião pessoal para uma matéria de jornal. O jornal não é processo e, portanto, essa opinião não tem validade jurídica, por mais qualificado que ele seja.
PS: Os caixas eletrônico não estão sendo roubados. Estão sempre furtados. Roubo é só quando há violência ou grave ameaça contra uma pessoa, e caixa eletrônico não é ser humano.