“Barbosa aponta 'conluio' entre juízes e advogados
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, atacou ontem o que chamou de ‘conluio entre juízes e advogados’ e afirmou que essa situação revela o que existe de mais ‘pernicioso’ na Justiça brasileira.
Barbosa fez as declarações em uma sessão no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que decidiu aposentar um juiz do Piauí acusado de beneficiar advogados. ‘Há muitos [juízes] para colocar para fora. Esse conluio entre juízes e advogados é o que há de mais pernicioso. Nós sabemos que há decisões graciosas, condescendentes, absolutamente fora das regras’, afirmou”
Do ponto de nossa legislação, não há nenhum problema nisso. Em outros países o magistrado só pode receber uma parte se a outra for informada e convidada (exceto em casos de mandados que precisam ser emitidos sem o conhecimento da parte afetada justamente para que aquela parte não frustre o objetivo do mandado, como no caso de um mandado para que as contas bancárias daquela parte sejam bloqueadas). Esse é o contexto da frase "cada país tem o modelo e o tipo de Justiça que merece", dita pelo ministro.
Proibir magistrados de receberem uma das partes sem a presença da outra é partir não só da presunção de que aquela parte pode vir a pressionar o magistrado para decidir algo de uma forma que convenha àquela parte, mas também presumir que o magistrado é suscetível à tal influência. Obviamente, esse não é o caso de todos os magistrados.
Além disso, o processo de notificar e convidar a outra parte irá quase sempre demandar um tempo muito maior do que se apenas magistrado e uma das partes precisarem combinar um horário entre si. Ainda mais porque esse encontro entre os dois é quase sempre organizado de forma informal, sem agendamento prévio. O risco é que a notificação e convite tornará o processo mais lento, alegam os que defendem esses encontros unilaterais.
Mas isso é verdade?
O processo pode, na verdade, tornar-se mais rápido. Essa é uma das razões que outros países proíbem os encontros entre magistrados e apenas uma das partes. Isso porque, se a parte sabe que o outro lado também estará presente, ela tem menos incentivo para pedir encontros nos quais irá tentar dissuadir o magistrado com argumentos não técnicos. Logo, o número de encontros tende a cair. Além disso, a formalização de tais encontros evita a canibalização do tempo do magistrado com uma série de encontros informais que, constantemente interrompem seu trabalho. Se o magistrado interrompe seu trabalho a cada 5 minutos para receber alguém ou apenas para dizer que não o receberá, ele não consegue se concentrar em seu trabalho.
Depois de o magistrado decidir algo sem a presença de uma das partes, aquela parte deve ser informada e tem o direito de apresentar sua posição. E isso toma tempo. Quase sempre mais do que se ela houvesse sido intimada a comparecer ao encontro.
Mas existe um outro fator importante: o papel da Justiça não é apenas resolver a questão que está tentando resolver, mas também evitar que futuros conflitos aconteçam. Ou seja, exemplificar.
A impressão que a sociedade tem é que esses encontros unilaterais nem sempre são para pedirem decisões. Muitas vezes são justamente para o contrário: para pedirem que magistrados 'sentem' no processo, ou seja, que lidem com outros processos enquanto o prazo de prescrição corre a favor de uma das partes no processo engavetado. E isso gera desconfiança na transparência e imparcialidade da Justiça.
Se as pessoas não confiam na isenção da Justiça, há uma tendência maior de haver conflitos, já que ninguém sabe exatamente como determinada questão será decidida (ou mesmo se será decidida antes que a prescrição ocorra). Se a Justiça parece justa, as pessoas tendem a cumprir a lei.
Mas então por que os advogados são contra a proibição?
Na verdade, não são todos os advogados que são contra a proibição de audiências unilaterais: são os advogados que acreditam que podem, de alguma forma, influenciar os magistrados que os recebem.
Se o advogado acha que consegue influenciar, é pago para isso pelo cliente, e a lei não o impede, ele obviamente tentará. Afinal, se ele influenciar, ele ganha prestígio e honorários. Se não influenciar, isso não afeta o pagamento que receberá do cliente. Ele não tem nada a perder e muito a ganhar.
Logo, não é difícil saber por que alguns advogados são a favor da prática. O problema é saber por que alguns magistrados também defendem tal prática. Afinal, o Estado não o paga mais por isso, ele perde tempo, seus processos se acumulam etc. Daí a irritação do ministro, citada acima. Ainda que não haja corrupção ou favorecimento de amigos e familiares, a imagem da Justiça sai desgastada pelo comportamento de seus julgadores.