“Paulo Vieira de Souza, 61, ex-diretor de engenharia da Dersa (empresa de transportes do Estado de São Paulo), foi preso em flagrante no sábado, na loja de artigos de luxo Gucci, do shopping Iguatemi (zona oeste de São Paulo). Ontem à noite, a Justiça mandou libertá-lo.
Ele é acusado de receptação de material ilícito -no caso, um bracelete de brilhantes avaliado em R$ 20 mil, que havia sido furtado da própria Gucci.
Souza e o joalheiro Musab Asmi Fatayer, 28, foram à loja para pedir que os funcionários avaliassem o bracelete. Pretendiam negociar a joia entre si.
Assim que Souza e Fatayer chegaram, por volta das 15h30 do sábado, foram atendidos pelo gerente da loja, Igor Augusto Pereira, 30, e pediram para que o bracelete fosse avaliado.
Desconfiado da origem da joia, Pereira pediu para que Souza e Fatayer esperassem um momento. Foi então consultar o livro de registros dos bens da loja.
Ao cruzar as informações sobre o bracelete negociado por Souza e Fatayer, o gerente da Gucci descobriu que aquela mesma joia havia sido furtada da loja no dia 7 de maio passado.
Foi aí que a Polícia Militar foi chamada até o shopping Iguatemi.
Diante do que o gerente da Gucci contou aos policiais militares, Souza e Fatayer foram levados para o 15º Distrito Policial (Itaim Bibi).
Em seu depoimento à Polícia Civil, o gerente da Gucci informou que foi Souza quem entregou o bracelete para que ele o avaliasse.
O ex-diretor da Dersa, que foi exonerado do cargo no dia 10 de abril, disse à polícia que havia recebido a joia de Fatayer. Afirmou ainda que estava disposto a pagar R$ 20 mil por ela.
Interrogado, Fatayer afirmou ter comprado o bracelete por R$ 18 mil de ‘um desconhecido’ que foi ao seu escritório, em Jundiaí (58 km de São Paulo).
Ao fim das conversas, a delegada-chefe do 15º DP, Nilze Baptista Scapulatiello, decidiu que tanto Souza como Fatayer deveriam ser presos por receptação dolosa, crime cuja pena prevista vai de um a quatro anos de prisão - caso haja condenação.”
Como já vimos aqui, receber um bem que seja oriundo de um outro delito é um crime: receptação. Na receptação, a pessoa ou sabe que o objeto é fruto de um crime ou deveria suspeitar. Para que ela seja condenada na segunda hipótese (quando deveria suspeitar), o magistrado analisará se outra pessoa, em condições normais, também suspeitaria. Por exemplo, se alguém vende um carro de luxo do ano passado em ótima condições por dois ou três mil reais, é óbvio que há alguma coisa errada, pois qualquer pessoa normal sabe que ele deveria custar algumas dezenas de milhares de reais. A mesma coisa para alguém que compra um software que vem em uma caixa com capa desbotada e com um preço 90% abaixo do preço normal em outras lojas: qualquer pessoa normal suspeitaria.
A matéria acima afirmou que o suspeito pode responder por ‘receptação dolosa’. Contudo, é desnecessário ressaltar que ela é dolosa: não existe receptação culposa. Há dois motivos para isso:
Primeiro, os crimes culposos só existem quando a lei diz claramente que tal conduta é apenada também na modalidade culposa, o que não é o caso da receptação. Reparem que o artigo 180, que trata da receptação, não fala de culpa em nenhum momento:
“Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:
Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa.
§ 2º - Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência.
§ 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso:
Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas.
§ 4º - A receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa.
§ 5º - Na hipótese do §3º, se o criminoso é primário, pode o juiz, tendo em consideração as circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na receptação dolosa aplica-se o disposto no §2º do art. 155
§ 6º - Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro.”
Segundo, é impossível haver receptação culposa por uma questão de lógica jurídica e gramatical. A culpa só acontece se a pessoa age com imprudência, negligência ou imperícia. Se a lei diz que trata-se de uma receptação dolosa quando a pessoa deveria suspeitar que o produto é fruto de um crime, ela está automaticamente dizendo que se a pessoa for negligente e receber um bem do qual deveria suspeitar, ela estará agindo dolosamente. Ora, se a lei diz que, no caso da receptação a negligência será tratada como um dolo, não há como tratá-la como uma culpa. Ou é um ou é o outro. Neste caso, a lei foi clara: será tratada como dolo.