“A Secretaria de Saúde do Rio confirmou ontem a morte cerebral de Ermírio Cosme Pereira, 56, que foi atropelado na quinta em Niterói pelo ex-coordenador da Operação Lei Seca, Alexandre Felipe.
A morte deve piorar a situação de Felipe, que agora deve ser indiciado sob suspeita de homicídio com dolo eventual (assume o risco de matar) (…)
Atual subsecretário de Governo para a região metropolitana, Felipe saiu do local do acidente sem ajudar as vítimas.”
Esse é um caso interessante para refletirmos sobre quando é que um crime é considerado cometido no Brasil. O artigo 4º de nossa Código Penal diz que “considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado”. Em outras palavras, a pessoa comete o crime quando ela age, mesmo que a vítima não sofra as consequências naquele mesmo momento.
No caso da matéria acima, o suspeito cometeu o crime no momento em que atropelou e não no momento em que a vítima morreu (três dias depois).
Vamos imaginar que no exemplo da matéria acima a pessoa ficasse entre a vida e a morte por muito tempo. Em determinado momento o suspeito precisaria ser julgado (afinal, ele não poderia ficar livre para sempre, aguardando a morte ou recuperação da vítima, porque algum delito ele cometeu). Se ele for julgado, pela legislação brasileira, o suspeito iria responder pelo crime de lesão corporal, já que quando ele fosse julgado a vítima ainda estaria viva, ainda que em coma. Se a pessoa vier a morrer depois do julgamento, isso não influi na sentença do suspeito porque ele já foi julgado.
Em outros países (e.g., Inglaterra) a regra é diferente: o crime é cometido no momento em que o resultado é produzido..
Pense nesse exemplo: Zezinho chuta a barriga de Mariazinha, que estava grávida. Em vez de sofrer um aborto, ela dá a luz mais cedo. Depois de nascer, o bebê acaba morrendo devido às consequências do chute de Zezinho.
Pela legislação brasileira, ele será responsabilizado pela lesão corporal grave, já que seu chute antecipou o parto. Ele não responde pelo homicídio porque quando ele chutou a barriga o feto ainda era... feto, e feto para a lei brasileira não é um ser humano e, logo, não pode ser vítima de homicídio. Sua ação (chute) ocorreu em um momento diferente do resultado (morte).
Já pela legislação inglesa, como o ‘momento do crime’ é apenas quando o resultado acontece, Zezinho será responsabilizado por homicídio porque seu chute levou à morte de uma pessoa (o agora bebê), ainda que quando ela tenha chutado a barriga de Mariazinha o bebê ainda não existisse (ele ainda era apenas um feto, e lá, como aqui no Brasil, feto não é considerado um ser humano e, portanto, não pode ser vítima de homicídio).
Não existe um sistema perfeito, mas é interessante sabermos que há outras alternativas e, principalmente, que alternativas diferentes geram resultados diferentes.
Se pensarmos com cuidado, veremos que são duas filosofias diferentes. No Brasil, nossa lei penal está mais focada na punição das condutas consideradas nefastas à sociedade. Na Inglaterra, o momento do crime está mais focado na punição das condutas que tragam consequências nefastas à sociedade.