“Irmãs de SP esperam 7 meses por conclusão de atestado de óbito da mãe
A morte da aposentada Manuela Conte, 85, já dura sete meses: entre idas e vindas de um processo "interminável", a família tenta provar que dona Manuela morreu de infarto em 7 de agosto de 2014.
Desde então, o atestado de óbito não foi finalizado pela polícia de São Paulo (…)
Ela está morta há sete meses, e nós ainda somos obrigadas a pagar a mensalidade do seguro, senão perdemos o valor. A seguradora exige o atestado’, conta Adriana, que é funcionária pública (…)
Quando a causa da morte é suspeita, desconhecida ou violenta, o corpo deve ser sempre levado ao IML para que um médico legista descubra os motivos do óbito (…)
O médico legista Cesar Arena confirmou o infarto, mas pediu um exame toxicológico (…)
O resultado do toxicológico demorou três meses para sair –já que apenas um laboratório público realiza esse exame para a polícia em todo o Estado de São Paulo.
Quando o exame finalmente chegou, outra barreira: o médico Cesar Arena entrou em licença por problemas de saúde e não pôde assinar o laudo. Ele não voltou mais ao instituto desde então (…)
Licenciado do órgão público, o médico continua dando consultas em uma clínica particular na região central de São Paulo”.
Uma das vítimas da burocracia acima é uma servidora pública, como explica o texto. Ao contrário do que gostamos de acreditar, a morosidade da burocracia estatal não prejudica apenas pessoas externas à ela, mas também aos próprios membros da burocracia. Não é uma situação de nós versus eles, mas de (quase) todos nós juntos.
Óbvio que particulares e servidores públicos que têm contato direto com este ou aquele setor da burocracia, ou têm alguém que possa intervir diretamente a seu favor, não são prejudicados pelos percalços resultantes da combinação entre regras ineficientes, estruturas precárias e servidores desmotivados. Mas este não é o caso da maioria da população.
Raramente um servidor público tem contatos diretos em mais de três ou quatro instituições públicas. Ademais, temos órgãos públicos nas três esferas de poder (federal, estadual e municipal), e servidores de uma esfera têm contato limitado com servidores das outras duas esferas. E mesmo se tivessem, dificilmente terão contato no município ou Estado no qual realmente precisam de um favor.
Enfim, servidores públicos estão tão sujeitos à (e saem tão prejudicados pela) burocracia quanto o resto da população.
Então por que continuam produzindo regras ineficientes, tratando com desleixo bens públicos e contribuindo em tamanha morosidade?
Há várias explicações interessantes que vão da ausência de empatia ao mau preparo técnico, passado por estruturas ineficientes de incentivo econômico. Nenhuma delas está absolutamente correta ou errada. Diferentes órgãos estão sujeitas a cada uma delas em graus diferentes.
Mas o ponto que é quase sempre ignorado é o apresentado pela teoria dos jogos.
Mesmo que um único servidor resolva empenhar-se com absoluto afinco e, apesar de todas as adversidades, executar seu trabalho não só com total eficiência, mas com empatia e aprumo técnico, ele sozinho não vai corrigir todos os problemas. Vista holisticamente, sua contribuição será mínima. Uma pequena gota diluída no grande mar burocrático. Mas o custo para si próprio será enorme. Ele será o servidor trabalhando até de madrugada enquanto seus colegas batem ponto às cinco da tarde. Ele será o servidor carregando o peso do mundo em seus ombros.
Óbvio que há sempre alguns dentre nós que agiremos de forma altruísta. Mas a maior parte de nós – inclusive servidores públicos – é racional. E, racionalmente, ninguém quer ser o ‘otário’, aquele que se esforça sozinho para atingir um objetivo coletivo.
Daí porque o esforço tende para a média. E daí porque instituições públicas e privadas que iniciam suas vidas com média alta tendem a permanecer com médias altas, e instituições que iniciam suas vidas com médias baixas raramente conseguem sair desse limbo. E quando isso acontece, todos saímos perdendo.