“Capacete
O TST (Tribunal Superior do Trabalho) deu ganho de causa a um motociclista que se acidentou e cobrava indenização do empregador. A companhia em que trabalhava era do setor de energia. E alegou que, como a atividade do funcionário não era de risco --ele fazia operações de corte e religação de energia elétrica--, ela não poderia ser responsabilizada pelo acidente, a não ser que fosse comprovado culpa ou dolo.
Houve polêmica entre os magistrados do TST. Alguns consideraram que os motoqueiros não estão expostos a riscos maiores que os demais motoristas. Prevaleceu a linha que dizia que, como o uso da moto era da conveniência da empresa, para acelerar o serviço, ela deveria arcar com o dano. O funcionário teve a perna amputada.
Foram levadas em conta estatísticas que mostram que 27% dos acidentes com motos são fatais, contra 13% de carros e 4% de caminhões”
Essa é uma decisão muito importante e que, se mantida, pode mudar substancialmente as relações de trabalho no país.
Para entender a mudança, primeiro precisamos entender uma diferença que existe entre a legislação cível e a legislação trabalhista.
O art. 927 do Código Civil, e seu parágrafo único, dizem que em determinadas hipóteses, a indenização decorre apenas do risco da atividade exercida, independente de dolo ou culpa: “Aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo (...) Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Na prática isso significa que é possível responsabilizar alguém simplesmente pela exploração de determinada atividade econômica, como, por exemplo, o transporte de pessoas.
É a chamada teoria do risco, isto é, ao exercer determinada atividade, a pessoa assume o risco de ser obrigada a indenizar caso sua atividade cause prejuízos a alguém, independentemente de culpa ou dolo.
A pessoa que compra uma passagem de avião, por exemplo, tem o direito de ser indenizado (ou seus familiares) se a aeronave cair. Não importa o motivo. Seja porque faltou gasolina (culpa da empresa) ou simplesmente caiu um raio de surpresa (caso fortuito, já que a empresa não tinha como prever aquele raio).
Já a responsabilidade do empregador pelos acidentes com seus funcionários decorre, em princípio, apenas na hipótese de dolo ou culpa da empresa.
A Constituição estabelece no art. 7º, XXVIII que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais (...) seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”.
Ou seja, a própria Constituição definiu que o empregador só está obrigado a indenizar o empregado nas hipóteses de “dolo ou culpa” da empresa.
Voltando ao exemplo do avião, a tripulação da aeronave, para ser indenizada, teria que comprovar a culpa do empregador pelo fato que causou a queda da aeronave.
O mesmo bem jurídico ‘vida’ passa a ter dois valores: o passageiro recebe a indenização rapidamente, porque basta provar que estava no avião, já o tripulante tem de provar que o acidente ocorreu por culpa ou dolo da empresa empregadora.
Se a empresa comprovar que a tempestade era inesperada e as medidas de segurança da aeronave estavam em dia, ela não deve indenizar.
Bem, isso até hoje, porque a decisão narrada na matéria acima determinou que a empresa tem a obrigação de pagar seu funcionário, independente de sua culpa ou dolo, ou seja, ele tem direito à indenização pelo simples fato de estar em horário de trabalho e a serviço da empresa.
Até hoje, o motoboy teria de comprovar o dolo ou culpa da empresa. Por exemplo, se foi um carro que atingiu o motoboy após atravessar o farol vermelho, a culpa da empresa estaria afastada.
Porém, o TST decidiu pela aplicação da teoria do risco do Código Civil, já que a empresa se beneficiou colocando o eletricista numa motocicleta, em vez de transportá-lo num carro com motorista. Ou seja, já que ela está se beneficiando, ela se torna responsável pelos acidentes que ele sofrer enquanto ele estiver trabalhando, independente de culpa ou dolo.