“Hotéis usam letra que mistura H com M no nome para fugir de veto a motéis em SP
A 27ª letra do alfabeto da língua portuguesa nasceu em São Paulo. É filha do H com o M. Leva um pouco a cara do pai e se parece outro tanto com a mãe, dependendo do ângulo. Seu habitat natural é o letreiro de hotéis dos bairros mais centrais, onde motéis são proibidos pela lei de zoneamento - a atividade é restrita a áreas de predominância industrial ou de proteção (tipo beira de estrada), além de vias como as marginais ou a rodovia Raposo Tavares.
‘É um truque comum e só paulistano. Usam uma letra indefinida, com a ponte que liga as duas pernas do H meio curvadinha, para avisar o cliente que ali ele vai achar condições parecidas com as dos motéis’, diz o antropólogo Nelson Antione.”
Se olharmos o registro da maior parte dos motéis, veremos que ‘motel’ é apenas um nome fantasia, ou seja, o nome comercial pelo qual é comumente conhecido. Seu registro jurídico é quase sempre como ‘hotel’ (se e quando for a um motel, leia com atenção o recibo de pagamento e você verá que ele provavelmente foi emitido pelo ‘Hotel XYZ Ltda’).
Uma das várias razões para isso é que até 2009 (e a maior parte dos motéis foi criada antes de 2009), o art. 229 de nosso Código Penal dizia que era crime “Manter, por conta própria ou de terceiro, casa de prostituição ou lugar destinado a encontros para fim libidinoso, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente”. Lendo esse artigo com cuidado, veremos que motéis se encaixavam facilmente nessa definição (“Manter… lugar destinado a encontros para fim libidinoso”). Na dúvida, era mais seguro registrar como hotel e usar o nome fantasia de motel. O fato de o hotel disponibilizar diárias de 1h, 2h ou o que seja, é apenas uma decisão comercial. E se o hóspede resolvesse usar o local para fazer sexo, era uma decisão pessoal deles e não tinha nada a ver com a empresa fornecendo hospedagem.
Mas o debate é interessante para percebermos que, quando se trata de sexo, não adianta esconder o sol com a peneira jurídica. A única razão pela qual você está lendo esse artigo é porque milhares de seus ascendentes fizeram sexo e não será a lei quem irá mudar ou moldar essa necessidade humana tão básica. Mas, no Brasil, ainda tratamos juridicamente o assunto com luvas de pelica (aliás, a palavra ‘sexo’ sequer aparecia em nosso Código Penal até 2009).
Boa parte dos países proíbe a prostituição, outros punem criminalmente relacionamento de pessoas do mesmo sexo, e alguns punem sexo fora do casamento. Mas isso não impede que tais praticas e desejos ocorram diariamente em tais países. Apenas coloca tais pessoas na criminalidade.
Se olharmos o caso da prostituição, por exemplo, veremos que embora ela não seja proibida no Brasil, ela também não é reconhecida como profissão, o que coloca dezenas de milhares de profissionais do sexo em um limbo profissional e cria uma economia informal que não paga impostos.
Por ser informal, ninguém sabe exatamente o quanto de imposto deixa de ser pago por esses trabalhadores não reconhecidos, mas fazendo uma conta rápida, se a prostituição gera US$ 186 bilhões por ano (dados do projeto Havocscope), o PIB mundial é de US$ 72 trilhões e o do Brasil é de US$2,4 trilhões (ou seja, 3,3% do total), a prostituição no Brasil deve gerar algo como US$ 6,2 bilhões (ou seja, US$186 bilhões x 3,3%), que não aparece nas contas oficiais e não paga imposto.
O ponto aqui não é quão correto é esse valor, mas – como no caso da matéria acima – que que todas as vezes que o legislador tenta usar a lei para moldar um comportamento ele precisa antes ponderar se tal lei de fato gerará o comportamento desejado ou apenas forçará as pessoas a encontrarem uma forma de burlarem a nova regra, sabendo que se for o segundo caso, o Estado sairá desmoralizado não só por não ser capaz de estabelecer políticas públicas sensatas, mas também por não ser capaz de coibir subterfúgios às regras que ele impõe. Em outras palavras, o legislador precisa ponderar qual é o pior cenário possível caso a lei que ele está propondo não funcionar como o esperado.
Questões sexuais são um exemplo clássico, mas não são únicas. A lei seca nos EUA foi revogada pela mesma razão, e os países comunistas nunca conseguiram eliminar as práticas religiosas. No Brasil e em outros países o debate sobre a legalização/criminalização de entorpecentes esbarra nessa mesma questão constantemente.