“Mesário que mandou revisor 'abraçar Dirceu' se desculpa
O mesário que hostilizou o ministro Ricardo Lewandowski no domingo, quando votou nas eleições municipais, enviou uma carta a ele pedindo ‘perdão’ (...)
No domingo, o rapaz, que é publicitário, chamou o ministro de ‘Liberandowski’ e perguntou se ele já tinha dado ‘um abraço’ em José Dirceu, um dos réus que ele absolveu no mensalão. Depois, se negou a dar seu nome aos repórteres.
Ontem, foi até a casa do ministro para pedir desculpas e entregar a carta. Disse ter conseguido o endereço depois de consultar o cadastro da Justiça Eleitoral (...)
‘Venho por meio desta carta pedir perdão pelo meu comportamento no dia de 28/10/2012, segundo turno das eleições para prefeito da cidade de São Paulo. Estou profundamente arrependido de ter ofendido, sei que o senhor está muito bravo tanto pelo ocorrido como também pela repercussão que tal episódio gerou’, escreveu.
Em seguida, culpou a imprensa. ‘Fui manipulado pelos repórteres que ali estavam a comentar algo, e de ato não pensado, infelizmente, acabei soltando o que não devia’ (...)
‘Sou profundo admirador do seu trabalho, reconheço que as pessoas que ali estavam, estavam de toda forma erradas, e que eu, principalmente, fugi de minha razão quando faltei com o devido respeito, mesmo que manipulado de certa forma, eu agi da pior maneira, sem querer, insultando não somente um cidadão de bem, mas também um ministro do Superior (sic) Tribunal Federal’”
Quando o mesário na matéria acima disse que o magistrado era parcial, ele ofendeu o servidor público por causa do cargo que ocupa, ainda que naquele momento ele não estivesse agindo como magistrado (ele estava votando, como qualquer outra pessoa). Esse tipo de ofensa é crime. É o chamado de desacato, que gera uma pena máxima de dois anos de detenção.
No desacato a ofensa é feita ao servidor público por causa de sua função. É isso que o diferencia da injúria, na qual ofendemos a dignidade de alguém ao imputar-lhe uma pecha.
Na injúria, a ofensa é feita a qualquer pessoa, inclusive contra um servidor público. Mas ela é feita contra a pessoa, independente de seu cargo. Já no desacato, a ofensa é feita por causa do cargo.
E isso gera uma diferença enorme: a injúria é um crime contra a honra da pessoa ofendida. O desacato é um crime contra a administração. Na injúria, tenta-se proteger as pessoas contra ofensas. No desacato, tenta-se proteger a respeitabilidade do cargo público, não o indivíduo.
A injúria é um crime de ação penal privada, ou seja, o criminoso só é processado se a vítima iniciar a ação penal. Se a vítima não tomar a iniciativa, não haverá processo contra o criminoso. Logo, pedir desculpas pode funcionar: afinal, se as partes fazem as pazes ou fumam o cachimbo da paz, não haverá processo.
Mas o desacato é um crime muito mais grave, e cuja ação penal é pública, ou seja, independe da vontade do ocupante do cargo ofendido. O Ministério Público pode mover o processo independente da vontade do servidor público. O objetivo é proteger a respeitabilidade da função pública e não proteger a honra do ofendido. Logo, independe da vontade do servidor.
Há mais dois detalhes importantes. Primeiro, culpar outra pessoa (no caso, ele culpa os jornalistas) não o torna inocente. Se é verdade, ele é um dos coautores. Se é mentira e ele atribuiu a declaração a um jornalista específico, ele terá cometido um segundo crime: calúnia. Se for mentira mas ele não atribui crime a ninguém, não há crime (o criminoso pode mentir em sua defesa), mas, quando for estabelecer a pena o magistrado irá levar em conta o fato de o criminoso ter mentido no curso do processo.
Segundo, como o crime é contra a administração pública, se o Ministério Público resolver iniciar um processo contra o mesário, o magistrado ofendido terá de informar o nome do suspeito. Ainda que ele seja magistrado e ainda que o crime se refira à ofensa feita por causa de sua função (ou diretamente à sua função), não cabe a ele decidir se vai ou não informar o nome do mesário. No processo contra o mesário, ele não seria responsável por julgar: ele seria o ocupante do cargo ofendido.