“Valério diz que entregou provas à Procuradoria
Operador do mensalão e condenado a mais de 40 anos pelo caso, o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza disse à Folha que entregou ao Ministério Público Federal documentos comprovando acusações feitas em seu novo depoimento, que envolvem o ex-presidente Lula no escândalo.
Em resposta aos que desqualificam suas acusações, Valério afirmou que os documentos foram entregues em setembro, quando falou à Procuradoria. Numa breve declaração, queixou-se: ‘Os procuradores não tocaram nos papéis que deixei lá’.
A Folha apurou que, entre os documentos, está o registro de depósito dos R$ 98,5 mil que, diz Valério, foram usados para pagamento de despesas pessoais do ex-presidente Lula na posse e no primeiro mês de seu primeiro governo.
O cheque foi destinado à empresa de segurança Caso, de Freud Godoy, ex-assessor pessoal de Lula (...)
Em depoimento, Freud alegou que o recurso foi empregado em gastos com segurança da posse”
Ontem vimos que mesmo que o empresário esteja falando a verdade, sua delação tardia pode aumentar o total de pena a ser cumprida, já que ela provavelmente não beneficiaria no primeiro processo.
Mas e se o que ele disse é mentira? Ou seja, se ex-presidente for inocente e está sendo envolvido por vingança, desgosto ou desespero?
O publicitário, nesse caso, estará cometendo novos crimes. Dizer que alguém cometeu um crime – por exemplo, que Fulano foi corrompido –, sabendo que isso é uma mentira, é crime. Na verdade, crimes:
O primeiro, é a calúnia que consiste em imputar falsamente a alguém um fato definido como crime. Corrupção passiva (aceitar propina) é um crime. Dizer que passou tal propina ao presidente em seu primeiro mês de mandato é um fato. Se isso não é verdade (ou seja, se ele não passou o dinheiro ou se ele ofereceu o dinheiro mas o ex-presidente o recusou), dizer que ele recebeu o dinheiro é uma imputação falsa.
Se quem imputou esse fato falso quis ou assumiu o risco de ofender a honra da vítima, e se a vítima se sentiu ofendida com a imputação daquela mentira, quem disse a inverdade terá cometido o crime de calúnia.
A calúnia, assim como a injúria e a difamação, é um crime de ação penal privada, ou seja, a vítima é que é responsável por iniciar o processo. Logo, será o ex-presidente que poderá mover ação penal (cuja pena chega a dois anos, e multa). Se ele não mover a ação penal, é porque ele não se sentiu ofendido e, logo, não há razão para condenar quem mentiu.
Mas ainda que o ex-presidente não mova tal ação de calúnia, como – segundo a matéria – o publicitário levou esses fatos ao conhecimento das autoridades públicas em seu depoimento em setembro de 2012, ele cometeu um outro crime cuja a ação penal independe da vontade do ex-presidente: a denunciação caluniosa, que consiste em “dar causa à instauração de investigação policial [ou] de processo judicial (…) contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente”, e cuja pena chega a 8 anos, além de multa.
Embora os nomes dos dois crimes sejam parecidos – calúnia e denunciação caluniosa –, eles são bem diferentes. O primeiro é um crime contra a honra. O segundo é um crime contra a administração da Justiça. Neste, o réu é condenado não porque ofendeu a dignidade da vítima, mas porque fez com que a Justiça ou a polícia ou o Ministério Público perdessem seu tempo investigando ou processando alguém que o réu sabia que era inocente.
Mas não termina aí. Ele também disse que os procuradores da República “nem tocaram nos papéis”.
Servidor público que deixa de cumprir suas obrigações por questões filosóficas ou ideológicas – incluindo a preguiça ou alinhamento político – está cometendo o crime prevaricação.
Se o que o réu disse é verdade, ele apenas disse o que aconteceu. Mas se é mentira, e ele disse que os procuradores prevaricaram, ele está cometendo calúnia também contra os procuradores.