“Reação a ordem do STF é política, dizem ministros
Ministros do Supremo Tribunal Federal criticaram ontem a ameaça do deputado federal Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) de não cumprir a decisão que determina a cassação do mandato dos deputados condenados no julgamento do mensalão (...)
O ministro Marco Aurélio Mello classificou ontem a fala de Henrique Alves como um ‘arroubo de retórica’ (...)
Reservadamente, outros ministros do STF criticaram Henrique Alves, afirmando que suas declarações são uma estratégia política para não contrariar os pares (...)
Serão os sete integrantes da Mesa Diretora da Casa, ainda a serem eleitos, que decidirão, por acordo, se devem ou não cumprir a decisão.
Mas o presidente, que comanda esse órgão, tem ascendência política sobre eles.
Os deputados João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP), Pedro Henry (PP-MT) e José Genoino (PT-SP), este empossado anteontem, foram condenados no mensalão por crimes como corrupção e formação de quadrilha, entre outros.
Quando a decisão foi dada, Marco Maia aventou o risco de crise institucional.
A opinião do petista gerou imediatas reações do tribunal, principalmente de seu mais antigo integrante, ministro Celso de Mello.
‘Equivocado espírito de solidariedade não pode justificar afirmações politicamente irresponsáveis, juridicamente inaceitáveis, de que não se cumprirá uma decisão do STF’, afirmou Mello”
Ao contrário do adágio popular, ordem judicial pode até ser discutida. O que não pode é ser oposta. Se não gostamos de uma ordem judicial, podemos recorrer aos tribunais, se ainda houver possibilidade de recurso, mas não podemos nos opor a elas.
Se as manifestações dos parlamentares acima são figuras de retórica, bravata ou estratégia (‘se colar, colou’), só quem está dizendo pode saber. Mas, levadas às últimas consequências, podem colocar o país mais próximo de uma ruptura institucional grave.
A Câmara tem sua polícia interna. O Judiciário não tem uma força própria para forçar o cumprimento de suas ordens. Depende da polícia, que é subordinada a um terceiro poder: Executivo.
Isso significa que – levada às última consequências – podemos em breve ter o Executivo determinando de fato quem está certo na interpretação da lei: o Judiciário (a quem cabe interpretar) ou o Legislativo (a quem cabe fazer a lei). Justamente o Executivo, o único poder a quem só cabe fazer cumprir o que os outros dois poderes decidirem. Ficaria nas mãos do poder menos institucionalmente preparado para lidar com o assunto determinar quem está certo.
Se apoiar o Judiciário, sua polícia entra no Congresso sem autorização e contra a vontade do Legislativo. Se apoiar o Legislativo, o Judiciário passa a ser um poder de fachada. Será um cérebro sem corpo para fazer valer sua vontade. Em qualquer dos casos, um poder sairia irremediavelmente desmoralizado.
Mas se a polícia entrar na Câmara para cumprir a ordem judicial, ela fará exatamente o quê?
Desobedecer uma ordem judicial é crime: desobediência (dependendo do que ocorrer, pode haver até resistência ou prevaricação)
Se o presidente da Câmara – quem quer que seja – desobedecer a ordem do STF, estará cometendo um crime. Mas não poderá ser preso porque, como parlamentar, só pode ser preso em flagrante por crime inafiançável, e desobediência é afiançável. Mas ainda assim estará sujeito às penalidades legais. Mas, para isso, a polícia não precisa entrar no Congresso.
Ainda não há ordem de prisão contra os deputados-condenados no Mensalão. Logo, não seria para prender os deputados a serem cassados. Entraria então para cassar os deputados? Mas como? O exercício de um mandato não depende da presença física (basta olhar o índice de ausência de alguns congressistas). E, de qualquer forma, ao que consta, o STF já os cassou. Cabe à Câmara apenas fazer cumprir a ordem.
A questão é, se ela não respeitar essa ordem, o que se pode fazer para que os deputados ‘fiquem’ cassados?
Impedir que exercessem seus votos, se aparecessem para votar? Primeiro, isso não é cassação de mandato – o voto é apenas parte dos direitos e obrigações do parlamentar – e exigiria a presença constante da polícia no plenário e nas comissões por meses e talvez anos. Esvaziar seus escritórios e jogar seus pertences pessoais pelas janelas do Congresso? Mas a cassação não impede que trabalhem – mesmo que voluntariamente – para outro deputado ou frequentem a Casa.
Impedí-los de receber no fim do mês? O Banco do Brasil, instituição pela qual recebem, é uma empresa de economia mista, controlada pelo Executivo: o problema da polícia estaria de volta.
Enfim, são águas turvas que nossa democracia nunca navegou.
Mas isso tudo perde a importância quando nos lembramos dos efeitos na população.
Se o Legislativo pode desobedecer ordens do tribunal mais importante do país, por que nós – povo – devemos nos submeter a ordens de juízes estaduais nos quatro cantos do país? Ou pior: o que acontecerá se a população for para as ruas ou para o confronto com um dos dois poderes? Ou pior: e se o confronto entre os dois poderes se transferir para as ruas? Foi a transposição para as ruas do confronto entre Judiciário e Executivo que causou boa parte da instabilidade recente no Egito, por exemplo. Nenhum país está imune à ruptura democrática quando suas instituições mais importantes partem para um confronto direto.
O que os parlamentares estão propondo chama-se desobediência civil. Essa desobediência é normalmente o último recurso na preservação de uma democracia ou para sua restauração, mas ela quase sempre vem com enormes custos institucionais, econômicos e humanos, pois, na prática, colocam-se as leis de lado e partimos para um conflito de forças físicas e resistência.
Mas a desobediência civil não é apenas o último passo na defesa de uma democracia, mas é quase sempre também o primeiro passo de conflitos. Foi a desobediência que causou massacres em Praga em 68, na China em 89, em Burma em 2007 e no Oriente Médio nos últimos dois anos, para citar apenas alguns exemplos.