“STF manda apurar ação de Valério no Banco Central
O STF (Supremo Tribunal Federal) determinou a abertura de investigação para apurar se Marcos Valério de Souza, apontado como o operador do mensalão, realizou tráfico de influência no Banco Central em favor dos bancos Rural e Econômico (…)
Empresário e bancos negam ilegalidades
A defesa de Marcos Valério negou que ele tenha cometido atos ilegais em seus contatos com representantes do Banco Central. O Banco Rural e a defesa do dono do Banco Econômico, Ângelo Calmon de Sá, também afirmaram que não foram praticadas ilegalidades nos processos de interesse deles no BC.
O Banco Central informou que as reuniões de Valério no órgão seguiram as regras da instituição e nenhum dos pedidos teve seguimento no BC.
O advogado de Marcos Valério, Marcelo Leonardo, disse que ‘houve pura e simplesmente uma apresentação de 'a' para 'b', um contato, que não deu resultado nenhum’”.
O crime de tráfico de influência tem algo em comum com o de corrupção ativa: o criminoso não precisa ter alcançado seu objetivo para que o crime tenha sido consumado.
No homicídio, se Fulano tenta matar a vítima mas não consegue alcançar seu objetivo (a vítima ainda está viva depois do crime), ele responde pela tentativa de homicídio e não pelo homicídio consumado. Isso porque o homicídio – como centenas de outros crimes – é o que os juristas chamam de crime material: um determinado resultado precisa ter sido produzido para que o crime esteja consumado.
Já crimes como tráfico de influência e corrupção são o que os juristas chamam de crimes formais: basta que o criminoso tenha agido de determinada forma para que o crime esteja consumado, independente se ele alcançou o resultado que almejava, ou não.
Diz o art. 332 do Código Penal que é tráfico de influência “solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função”.
Embora a lei use o verbo obter, ele é precedido da conjunção ‘ou’ e não ‘e’. Basta o criminoso fazer uma das coisas (solicitar ou exigir ou cobrar ou obter). Logo, não há necessidade de obter uma vantagem.
Lobistas se encaixam no tráfico de influência porque cobram para influir em um atos praticados por servidores públicos (parlamentares, ministros etc). Mas a lei não exige que o ele tenha alcançado seu intento ou honrado sua promessa. Basta que ele tenha cobrado para isso. O servidor público pode até não saber que seu nome e cargo estão sendo usados levianamente pelo criminoso. No tráfico de influência o criminoso é o ‘traficante’ e não o servidor. Se o servidor agir conforme o pedido do criminoso, ele estará praticando outros crimes, como corrupção passiva, prevaricação, etc.
No tráfico de influência, a única exigência da lei é que o servidor público tenha a capacidade ou o poder de fazer aquilo em relação ao que o lobista pretende interceder. Por exemplo, se ele recebe para interceder junto a um policial no Detran para liberar o emplacamento do carro mais rapidamente. Por outro lado, não há tráfico de influência se o lobista intercede junto a um policial para apagar uma multa da Receita Federal: o policial, embora seja servidor público, não tem poder ou capacidade de interferir junto ao sistema da Receita.
A dificuldade de provar a existência desse crime é que há uma linha tênue entre representar os interesses de alguém e traficar influência. Um advogado, por exemplo, é contratado para representar os interesses do cliente. Ele não está dizendo que pode ou consegue ter acesso especial ao servidor público. Sua função é lutar pelos interesses de seu cliente, e isso pode envolver tentar convencer servidores públicos de que os interesses de seu cliente estão corretos. Isso é legítimo.
Já o lobista está se gabando de poder interceder junto ao servidor público; de ter prestígio junto ao servidor público para fazer com que ele aja dessa ou daquela maneira. E é aí que está o objeto de proteção legal. A lei visa tenta proteger a impessoalidade do serviço público: o servidor deve(ria) agir corretamente sempre, independente do pedido partir dessa ou daquela pessoa. Ao dizer que pode interceder junto ao servidor público, o criminoso está arranhando a impessoalidade do serviço público. E isso é inaceitável para a lei.
No exemplo do advogado descrito acima, se ele de fato tem prestígio e influência sobre o servidor público, mas ele não alardeia isso para obter pagamento do cliente, ele não vai estar cometendo tráfico de influência (embora possa estar praticando outros delitos, dependendo do que realmente fez).
Logo, dizer que houve uma pura apresentação de ‘a’ para ‘b’ (como no caso da matéria acima), pode, sim, ter sido tráfico de influência, se ‘a’ era um servidor público com poder de fazer o que ‘b’ queria, e quem intermediou a apresentação solicitou, cobrou ou recebeu por esse ‘serviço’.