
Um caminhão que colide contra um veículo pequeno vai causar dano. Muito dano. Muito provavelmente morte. Newton previu isso, mas até uma criança entende a idéia.
Pois bem, um motorista que decide colidir seu caminhão contra um veículo pequeno sabe que está, no mínimo, colocando a vida dos ocupantes daquele veículo morrerem. Assumir o risco, em juridiquês, chama-se dolo. Ou, para ser mais preciso, dolo eventual. Para a lei, isso não faz diferença. É dolo.
Logo, colidir um caminhão propositalmente contra um veículo pode ser, sim, um homicídio ou uma tentativa de homicídio.
Como já falamos aqui várias vezes, para que haja uma legítima defesa é necessário que haja um equilíbrio entre o bem jurídico em risco e o bem jurídico ofendido por quem alega legítima defesa. Em bom português, matar alguém para proteger sua coleção de selo não é legítima defesa porque o bem jurídico ofendido (vida) é mais importante do que o bem jurídico ameaçado (propriedade). Ainda que a vida seja de bandidos.
Logo, não se pode matar os bandidos apenas para proteger o caminhão ou sua carga.
Mas é aí que entra o detalhe: ele colidiu o caminhão antes de ser rendido pelos bandidos. A bem da verdade, foi justamente para evitar ser rendido pelos bandidos. Logo, ele não sabia o que os bandidos queriam fazer. Qual era o objetivo: a carga (roubo) ou tirar sua vida para levar a carga (latrocínio). Os bandidos simplesmente não mandam aviso sobre qual o crime pretendem cometer, logo não é possível para a vítima saber qual o crime que está tentando evitar até que o crime tenha sido consumado (concluído) e os bandidos tenham deixado o local. Em bom juridiquês, qual o bem jurídico que está tentando proteger. Logo, o caminhoneiro da história acima pode, sim, alegar legítima defesa.
Seria um caso bem diferente se eles já tivessem concluído o crime (levado a carga) e eles já estivessem em fuga. Nesse caso, matá-los (ou tentar matá-los) passaria a ser injustificável como legítima defesa pois ele já teria como saber que os ladrões só queriam a carga, e não sua vida.
Então ele, nesse último caso, não teria nenhuma defesa?
Tem. Ela é subjetiva e não justifica a ação da vítima, mas pode, sim, atenuar a pena: a violenta emoção despertada pela ação dos criminosos. O caminhoneiro estava dirigindo e, do nada, alguém comete um crime contra ele. Apenas em filmes de ação alguém consegue permanecer calmo e emocionalmente inabalado quando é vítima de um crime. Logo, se o magistrado julgar que aquele crime cometido pelos ladrões abalou a vítima de forma especialmente forte, ele pode, sim, atenuar a pena a ser aplicada (art, 65, III ‘c’ de nosso Código Penal). Mas a emoção não faz com que a ação da pessoa (o caminhoneiro de nosso exemplo) se torne legal. Para ser mais exato, o artigo 28, I de nosso Código Penal diz isso com todas as letras: “Não excluem a imputabilidade penal a emoção ou a paixão”.
Obviamente não estamos dizendo que as pessoas devem reagir antes ou depois. Reagir é quase sempre a pior alternativa possível, seja em termos de proteger sua própria segurança, seja em termos de consequências jurídicas.