“Sindicato repudia crítica de ex-chefe da Rota a repórter da Folha
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo emitiu ontem nota de repúdio às afirmações feitas no Facebook pelo coronel reformado da Polícia Militar Paulo Adriano Lopes Telhada contra o repórter da Folha André Caramante.
No sábado, reportagem de Caramante mostrou que, em sua página no site de relacionamentos, o ex-comandante da Rota e candidato a vereador pelo PSDB chama de ‘vagabundos’ os suspeitos mortos em confrontos com a PM.
No dia seguinte, Telhada se referiu ao repórter como ‘notório defensor de bandidos’ e sugeriu que fosse demitido”.
Vamos deixar de lado o juízo de valor a respeito do repórter ou do coronel-candidato. Ainda assim, há dois problemas com as duas declarações do coronel-candidato.
Primeiro, sobre sua definição de o que é Justiça:
Vamos imaginar que os mortos sejam vagabundos criminosos. Mas por que esses criminosos foram mortos e não outros? Afinal, certamente não são os únicos.
Justiça tem duas premissas: a primeira é que todas as pessoas iguais na mesma situação devem ser tratadas da mesma forma. Logo, todos criminosos deveriam ser mortos. Seguindo a lógica do coronel, há gente ainda viva que precisa ser morta imediatamente.
Agora vamos imaginar que nenhuma das pessoas mortas tenha cometido crime. Por que elas foram mortas e não outras? Novamente, vale a primeira premissa: como elas estão na mesma situação e são tão inocentes quanto os que estão vivos, elas não deveriam ser mortas.
Mas agora vamos imaginar uma terceira situação na qual algumas das pessoas mortas eram criminosas e outras eram inocentes.
Vale a segunda premissa de justiça: pessoas diferentes em situações diferentes devem ser tratadas de formas diferentes. Aqui temos um problema duplo: por que tanto inocentes quanto culpados foram mortos? E por que tanto inocentes quanto culpados estão vivos? Não podemos usar o mesmo peso para duas medidas diferentes.
Enfim, não importa o ângulo, o argumento da execução sumária gera um desequilíbrio lógico.
O segundo problema na declaração é o propósito do defensor.
Em uma democracia, o defensor serve para duas finalidades diferentes: a primeira, é no processo de apuração da culpa. Não há como saber se alguém está defendendo um bandido até que haja um julgamento. Não se sabe se alguém é defensor de bandido até que a pessoa seja declarada bandida pela Justiça. Em outras palavras, não existe ‘defensor de bandido’. Existe defensor. A declaração de que alguém é bandido é o passo final no processo, e não o inicial. Se partirmos da presunção de que a pessoa é bandida, não haveria necessidade de um processo. É por isso que em democracia, partimos da presunção de inocência, e não da culpa.
O segundo papel do defensor é na quantificação da pena. Mesmo que, ao fim do processo, alguém seja condenado, nem todo criminoso é igual (lembre-se da aplicação das premissas de justiça: criminosos diferentes que cometeram crimes diferentes devem ter penas desiguais; e criminosos iguais que cometeram crimes iguais devem ter penas iguais). Sem o defensor, não daria para saber quão igual ou diferente seriam os criminosos e teríamos que condenar todos com a mesma pena.