“Nhonhô Lula
O ex-presidente Lula foi festejado anteontem por 44 minutos no ‘Programa do Ratinho’, do SBT. Há dois aspectos relevantes sobre essa aparição.
Primeiro, a abordagem legal e quase bizantina sobre se um político pode dizer em público o que de fato é. No caso, Lula estava com Fernando Haddad a tiracolo, o delfim lulista escolhido para ser candidato a prefeito pelo PT em São Paulo.
É surrealismo puro que um político não possa se declarar candidato a cargo público a qualquer tempo e hora. Mas está na lei. O caso acabará no TSE e em multas ridículas de R$ 5.000 por infração (…)
Sem o menor pudor, na primeira pessoa, o petista explicou a Ratinho a escolha de Haddad: ‘Eu achava que era o momento da [sic] gente apresentar uma coisa nova. (...) Eu acho que São Paulo precisa ter alguém que tenha o entusiasmo que ele teve cuidando da educação’. Ou seja, ‘eu achava’, ‘eu acho’. Não é a opinião do PT. É a de Lula”
Vamos entender o que aconteceu. Há quatro fatos relevantes:
1 - O ex-presidente, que não ocupa nenhum cargo político público, fez elogios ao pré-candidato na televisão. É difícil argumentar que o que fez não é propaganda eleitoral.
2 - Ele também declarou essa semana que pretende ser candidato a presidente da República em 2014.
3 - O art. 36 da Lei 9.504/97 diz que é proibida a propaganda eleitoral antes do dia 5 de julho e pune quem faz isso com uma multa de até R$25 mil ou o custo da propaganda, se ele for maior (o beneficiado também pode ser punido com a mesma multa, se ficar provado que ele sabia da propaganda).
4 - A entrevista/propaganda aconteceu em maio.
Do ponto de vista jurídico, a chamada Lei da Ficha Limpa torna inelegíveis quem comete crime eleitoral. Se um pré-candidato fizer propaganda eleitoral antecipada, ele pode estar colocando sua candidatura em risco. Em específico para nosso caso aqui, há três condutas que são relevantes. A Lei da Ficha Limpa torna inelegível (a) os candidatos que cometem crimes com abuso de poder econômico ou politico (art. 1o, inciso I, alínea ‘d’), (b) os candidatos condenados por crime eleitoral sujeito à pena privativa de liberdade (art. 1o, inciso I, alínea ‘e’, número 4), e (c) os candidatos condenados por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais (art. 1o, inciso I, alínea ‘j’).
Se a conduta do ex-presidente se encaixar em um desses três casos ele poderia ter posto por água abaixo seus sonhos de ser candidato em 2014 porque ele se enquadraria na Lei da Ficha Limpa. Mas ele se encaixa em uma das três situações?
Candidatos que cometem crimes com abuso de poder econômico ou politico
O ex-presidente não é candidato (nem mesmo pré-candidato) a nada. Muito menos está claro que o art. 36 da Lei 9.504/97 é de fato um crime ou apenas uma punição administrativa. Se você ler os artigos 34 e 35 da mesma lei, por exemplo, eles são claros em dizerem que as condutas ali previstas são crimes. Mas o art. 36, que é o que proíbe a propaganda antecipada, não fala em crime em nenhum momento. Embora soe estranho, é possível argumentar que é mera punição administrativa.
Enfim, na pior das hipóteses, a campanha feita pelo ex-presidente pode ter tornado o seu pré-candidato impedido se houver prova de que a campanha foi planejada, e pode gerar punição para o apresentador e para a rede de televisão. Mas não para o ex-presidente em si.
Candidatos condenados por crime eleitoral sujeito à pena privativa de liberdade
O ex-presidente também não se encaixa aqui porque ainda que a Justiça Eleitoral decida que o que ele fez tenha sido um crime, não é um crime punido com pena privativa de liberdade (a punição é apenas uma multa de até R$25 mil).
Candidatos condenados por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais
O ex-presidente também não se encaixa aqui porque ele não é um agente público. Ele é ex-presidente e não presidente.
Ok, então a conduta dele não põe fim à sua ambição de voltar ao poder. Pode até tumultuar a eleição do seu pré-candidato a prefeito e gerar sanções ao apresentador/rede de TV, mas para o ex-presidente, a punição seria apenas financeira: uma multa que varia entre R$5 mil e R$25 mil. Mas, mesmo assim, por que ele fez a tal propaganda? Afinal, ninguém gosta de ser multado.
Porque, financeiramente, a propaganda antecipada vale a pena. Se o programa no qual ele ocorreu tem um audiência de 11 pontos no Ibope, e cada ponto equivale a cerca de 60 mil domicílio ou 200 mil expectadores (a média é de 3,3 expectadores por domicílio) em São Paulo, as palavras dele foram ouvidas por nada menos do que 2,2 milhões de pessoas. Não dá para sabermos quantas são eleitoras, mas a média no Brasil é por volta de 72% (138 milhões de eleitores para 190 milhões de habitantes). Isso significa que cerca de 1,5 milhão de eleitores assistiram a propaganda antecipada. Se a Justiça eleitoral aplicar o valor máximo da multa (R$25 mil), a propaganda saiu ao custo de pouco mais de R$0,01 por eleitor, o que é um ótimo investimento. Mandar uma carta via mala direta, por exemplo, custaria 57 vezes mais. E cartas não falam e muitas sequer são lidas antes de irem para o lixo. No caso acima, ele foi ouvido por 44 minutos por menos de R$0,0004 por minuto por eleitor. Um ótimo investimento.