“Em tom de ameaça, Chávez diz que sua derrota pode gerar guerra civil
Venezuelano afirma que sua reeleição interessa 'até aos ricaços', porque é garantia de estabilidade
Mandatário afirma que, se 'a burguesia' tiver 'plano B' para questionar resultado, ele usará 'plano Che'”
Como poucos de nós se aventuram a se candidatar a qualquer coisa (e entre aqueles que o fazem, ainda menos deveriam fazê-lo), nos acostumamos com a ideia de que democracia é o direito de votar. Isso é uma parte importante da democracia, mas não basta para fazer uma democracia. E como não existe ‘meia democracia’, é necessária uma outra metade: poder ser votado.
Não existe democracia se você pode votar apenas em determinado candidato porque o governo impede os demais de se candidatarem, ou – como no caso acima – você pode até votar na oposição mas, se ela ganhar, não leva.
Aqui entra um distinção muito importante entre democracia formal – aquela na qual você tem direitos e obrigações, em teoria garantidos por leis – e democracia real ou material – aquela na qual a lei é cumprida e respeitada.
Ditaduras como Coreia do Norte são explícitas. Não se vota e pronto*. Esses são casos raros porque afronta noções básicas de civilidade de outros países, o que acaba isolando o ditador local.
Muito mais comum são ditaduras nas quais há eleições de fachada, em que apenas os amigos podem se candidatar. Os inimigos desaparecem, seja no sentido jurídico, por serem impedidos de concorrerem, seja no sentido físico, em prisões, degredos e covas.
Ainda que não tão raras como as ditaduras do primeiro grupo, também estão desaparecendo aos poucos.
Mas esses dois grupos estão desaparecendo não porque estão se tornando democracias de verdade, mas porque estão migrando para um terceiro grupo: as democracias formais.
Nessas democracias de fachada, as pessoas podem se candidatar e votarem em quem bem quiserem, mas quando vencem, ou o ‘democrata de fachada’ que estava no poder sai do armário (ou das casernas) para permanecer no poder na base das armas, ou as instituições do país implodem em uma guerra civil.
O pior problema desse último grupo, contudo, aparece antes da eleição: por saberem que há um sério risco de guerra civil ou golpe de estado se a oposição ganhar (por conta de declarações como as reportadas na matéria acima), os eleitores votam no candidato do governo apenas para preservarem a ordem (ou mesmo a vida). No dia da apuração, o candidato governista de fato terá vencido nas urnas. Mas não por uma opção livre dos eleitores, mas pelo medo. Fulano acaba eleito não porque apresentou a melhor opção, mas porque não deixou outra opção.
E isso não é democracia. Pelo contrário: esse é o pior tipo de ditadura porque ela tem semblantes de legitimidade. Se o candidato que perdeu nas urnas protestar, ele será quem não respeita a vontade das urnas.
Tolstoy dizia que todas as famílias felizes se parecem, mas as infelizes são desgraçadas em sua própria maneira. O mesmo vale para as democracias: todas elas se parecem, mas as ditaduras têm mil faces distintas.
* O professor Renato Janine lembra que, em teoria, há eleições a cada 5 anos na Coreia do Norte, ainda que o atual ditador não tenha sido eleito: ele herdou o poder de seu pai.