“O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Eros Grau, relator da ação que questiona a Lei da Anistia, votou ontem contra a ação que pede que a lei seja revista para que agentes de Estado acusados de torturar opositores na ditadura militar (1964-85) sejam punidos.
A sessão, contudo, foi interrompida após o voto do relator, que durou quase três horas. O julgamento será retomado hoje à tarde. Oito ministros ainda precisam votar. Ontem à noite os membros da corte teriam jantar com o presidente Lula.
Segundo Eros Grau, ele próprio uma das vítimas da ditadura -foi preso e torturado durante os anos 1970-, a lei foi ‘bilateral’, beneficiando todos os lados no período. Ainda de acordo com ele, a anistia foi um grande pacto político que serviu como ponte para a redemocratização e só não foi tão ampla porque, à época, não se contemplou os já condenados por crimes como terrorismo.
‘Nem mesmo o Supremo Tribunal Federal está autorizado a reescrever leis de anistia. Só o Congresso Nacional poderia fazer isso’, disse o ministro, que revisitou todas as anistias já editadas no Brasil, além de casos semelhantes em países da América Latina.
Mesmo afirmando que os crimes estão perdoados, Eros Grau, que deixa o tribunal em agosto, quando se aposenta, afirmou que ‘eles não devem ser esquecidos’. ‘É necessário dizer, vigorosa e reiteradamente, que a decisão (...) não exclui o repúdio a todas as modalidades de tortura, de ontem e de hoje, civis ou militares’.
Ao final, o presidente do STF, Cezar Peluso, e os ministros Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes elogiaram o voto do relator, que chegou a se emocionar ao concluir sua argumentação. A tendência do tribunal é seguir a posição apresentada ontem. Não participam do caso os ministros Joaquim Barbosa, de licença médica, e José Antonio Dias Toffoli, impedido por ter atuado no processo como advogado-geral da União.
A sessão de ontem marcou a estreia de Peluso na presidência do tribunal. Ele substituiu o colega Gilmar Mendes, que voltou à bancada dos ministros.
A ação que pede a revisão da Lei da Anistia foi proposta pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), entidade que apoiou a elaboração da lei, em 1979, mas que em 2008 questionou na corte a sua extensão e passou a defender a possibilidade de punir militares que praticaram atos de tortura.”
E o que é uma lei de anistia? Como o nome já diz, é uma lei. E como toda e qualquer lei, ela é aprovada pela Câmara e pelo Senado, ou seja, ela é aprovado pelo Legislativo. A anistia – qualquer que seja o assunto por ela tratado – é uma lei especial, que serve para controlar as decisões dos outros dois poderes (normalmente, o Judiciário).
Em todos os países democráticos temos o que é chamado pelos filósofos de ‘sistema de freios e contrapesos’ ou ‘controle mútuo entre os poderes’. Para que um poder não se sobreponha ao outro, eles se controlam. Isso porque todas as vezes que um poder se sobrepõe ao outro, criamos um regime de exceção (ou seja, uma ditadura). Foi o que aconteceu durante as décadas de 60, 70 e meados de 80, quando o poder Executivo se sobrepunha aos outros demais poderes, fechando o Congresso Nacional ou prendendo pessoas sem o devido processo judicial.
As anistias são formas do Legislativo controlar os outros poderes. Especialmente o poder Judiciário. Só o poder Judiciário pode condenar ou absolver, certo? Certo. Contudo, algumas vezes o poder Legislativo vai ter de agir de forma a modificar as decisões do Judiciário, ainda que elas tenham sido proferidas baseadas em uma lei. O Legislativo faz isso através de uma lei de anistia. Uma nova lei normalmente estabelece que algo que antes era tratado de tal forma agora será tratado de uma forma distinta. As leis de anistia fazem a mesma coisa. Só que também estabelecem que as decisões proferidas pelo Judiciário a respeito de determinado assunto deixam de existir e pessoas que haviam sido condenadas por determinados crimes deixam de estar condenadas porque os crimes deixaram de existir. É como se o legislados apagasse o passado e, com ele, as decisões do Judiciário (e do Executivo) referentes àquele assunto.
Ouvimos falar sempre da lei de anistia publicada no final da década de 70. Mas existiram muitas outras leis de anistia promulgadas no Brasil desde então em outras áreas. Por exemplo, vira e mexe temos leis de anistias tributárias, tentando dar aos contribuintes a possibilidade de ficarem em dia com o Fisco, e leis de anistias eleitorais, normalmente anistiando os candidatos condenados por infrações eleitorais (por exemplo, pelas pichações em muros ou outras formas irregulares de propaganda eleitoral).