“Campanha nas sombras
Ele raramente discursa. Sua última proposta de emenda constitucional é de 2008. E, em 2012, só propôs um projeto de lei. Para um desavisado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que deve ser eleito hoje presidente do Senado, pode parecer um congressista apagado.
Mas não há decisão importante na Casa -de indicações para cargos a aprovação de projetos- que não seja discutida a portas fechadas no seu gabinete. Se um senador quer presidir uma CPI, já sabe: precisa do apoio de Renan.
Sua atuação longe dos holofotes já era forte antes de ele se tornar presidente da Casa. Após ter de deixar o cargo em 2007 sob suspeitas, escolheu aparecer menos ainda”.
Estamos acostumados a pensar em produtividade como sinônimo de qualidade, mas nem sempre isso é correto. Pode parecer estranho, mas um parlamentar que não apresenta projetos todo o tempo não é, necessariamente, um parlamentar incompetente, relapso ou preguiçoso. Pelo contrário: ele pode ser um parlamentar muito melhor do que parlamentares prolíficos em projetos de lei.
Isso porque, quando se trata de normas, muito ajuda quem não atrapalha. Constantes modificações jurídicas atrapalham porque criam instabilidade. Democracias e instabilidade são dois conceitos que não se dão bem.
Sim, normas jurídicas ruins atrapalham muito, bem como a ausência de normas para aquilo que precisa ser regulamentado. Mas a maior parte daquilo que precisa ser regulamentado já é regulamentado simplesmente porque estamos envolvidos há cinco séculos no processo civilizatório do país. É como uma casa: se você conseguiu viver naquele lugar por 5 séculos sem essa ou aquela amenidade, é porque ela não faz tanta falta assim. Introduzí-la a essas alturas pode ter um custo maior do que seu benefício.
A maior parte das mudanças normativas decorrem do aparecimento de novas áreas técnicas (internet, exame de DNA etc) ou da evolução social (casamento de homossexuais, retirada de anencéfalos etc), não porque as normas que existem são ruins. Mudar uma norma apenas por mudá-la ou para tentar aprimorá-la é perigoso porque gera instabilidade. Não dá para ter certeza se ela realmente gerará os resultados desejados (embora o contrário seja verdadeiro: as vezes dá para ter certeza antecipadamente que ela não irá gerar os resultados desejados).
Pense no caso do atentado violento ao pudor e estupro. Até 2009, havia dois crimes. Em 2009 eles foram unidos em um. Uma mudança que seria, em teoria, simples. Só que ao fazer a mudança, o legislador deixou de dizer como tratar aqueles que haviam sido condenados e estavam cumprindo penas pelos dois crimes. A consequência foi a saída antecipada de milhares de criminosos das prisões. Do ponto de vista prático, a mudança não trouxe benefício à sociedade. Pelo contrário: acabou gerando um resultado inesperado e negativo.
Mas existem outras duas razões pelas quais parlamentares que vivem apresentado projetos acabam atrapalhando mais do que ajudando a democracia. Primeiro, o excesso de projetos distrai sem acrescentar. Ele dilui a atenção da sociedade em um grupo maior de projetos, o que faz com que menos atenção seja dada aos projetos que realmente importam.
Segundo, elaborar um bom projeto demanda tempo, pesquisa e estudo. Se um parlamentar apresenta dezenas de projetos sobre os assuntos mais diversos, ele realmente estudou antes de elaborar seu projeto, ou ele apenas colocou no papel a primeira ideia que lhe ocorreu naquela manhã ou ao assistir o noticiário da TV?
Leis mal pensadas geram resultados inesperados. Veja o exemplo da labioplastia/ninfoplastia (cirurgia para redução dos grandes e pequenos lábios vaginais). Alguns países (Austrália, por exemplo) passaram a autorizar nu frontal feminino em revistas adultas, desde que ele não fosse explícito. O 'não ser explícito' acabou interpretado como 'desde que os lábios genitais não aparecessem'. Para se adequarem à lei, editores passaram a manipular as imagens para esconder os lábios genitais. O único formato estampado nas capas é o de mulheres com órgão sexuais sem lábios. Ou seja, as revistas acabaram transmitindo a ideia de que lábios genitais são uma anomalia. Daí dezenas (ou centenas) de milhares de mulheres se submeterem a cirurgia para reduzir os lábios.
Mas, então, para que serve um parlamentar? Afinal, o nome do poder é ‘Legislativo’, certo?
Sim, o poder serve para legislar, mas também serve para fiscalizar. Para assegurar que os outros poderes - especialmente o Executivo - está cumprindo seu dever. Daí porque os tribunais de contas são ligados ao Legislativo e não ao Judiciário, porque a aprovação de nomeação para vários cargos dependem de aprovação pelo Legislativo (no caso de Congresso, pelo Senado Federal) etc.
Mas, da mesma forma que para legislar, para exercer essa segunda função, os parlamentares precisam (a) serem suficientemente independentes para formularem juízos técnicos e (b) precisam ter conhecimento técnico suficiente para que sua fiscalização não se torne apenas uma barganha política.