"Julgamento dos réus na primeira instância não eliminaria risco de prescrição de crimes
As declarações do ministro Ricardo Lewandowski sobre a possibilidade de prescrição dos crimes apontados no processo do mensalão merecem reflexão.
A experiência sugere que a culpa pelo longo atraso no processo não deve ser atribuída à decisão de julgar todos os suspeitos no Supremo Tribunal Federal e não nas instâncias inferiores da justiça federal.
Já vimos centenas de casos em que o vaivém de processos envolvendo políticos que perdem mandatos aqui e são comissionados acolá apenas atrasa o julgamento, criando elevadores processuais entre tribunais, obrigando magistrados a refazerem continuamente o caminho já trilhado por seus colegas de toga.
Ademais, ainda que o caso fosse julgado na primeira instância, não haveria garantia de celeridade. O número de processos no STF, embora alto (88 mil), já caiu 30% desde 2007 por conta da Emenda 45 e mudanças internas na instituição. Mas a situação abaixo do STF é crítica.
Segundo o CNJ, o Brasil tem mais de 1 milhão de casos na primeira instância da Justiça Federal, e menos de 1.300 juízes. Uma média de 800 casos por juiz.
Na Justiça estadual a situação na primeira instância é pior: são 18 milhões de casos e 9 mil magistrados: 2 mil casos por cabeça. Ainda que nenhum novo caso chegasse por lá, e continuassem julgando 6,3 milhões de casos por ano, demorariam três anos para limpar as gavetas. Mas 7,7 milhões de novos casos lhes chegam por ano. Não há gaveta que baste.
O risco sistêmico da prescrição ocorre por outras agruras: primeiro, por conta de infindáveis recursos durante e ao fim dos processos. Tivessem sido julgados na primeira instância, a prescrição poderia ocorrer não só lá, mas em qualquer uma das outras três instâncias acima, inclusive no Supremo.
Segundo, pelo excesso de formalismo processual. Os juizados especiais dão certo porque deixam de lado a forma e focam no conteúdo. Não têm o glamour dos debates acadêmicos, mas resolvem o problema.
Terceiro, porque nosso Código Penal, de 1940, refletia um país no qual a expectativa de vida ao nascer era de 41,5 anos. Hoje ela é de 73,5 anos. O perfil demográfico mudou, mas as leis penais, não. A prescrição não é o único caso. O somatório de penas em 30 anos é outro exemplo.
A frustração do ministro é compartilhada por todos, mas a solução exigirá reformas mais profundas."
O texto acima é do PeD, mas quando foi editado no jornal acabou introduzindo uma linha que pode dar a entender que se não fossem julgados pelo STF, o suspeitos seriam julgados na primeira instância da justiça federal. Na verdade, mais provavelmente seriam julgados pela justiça estadual. Isso porque a justiça federal de primeira instância só julga algumas causas (daí por que há um número muito maior de causas na justiça estadual, como diz o texto).
E quais causas são julgadas pelos juízes federais de primeira instância?
- Envolvendo a União, autarquia ou empresa pública federal;
- Envolvendo outros governos ou organismos internacionais;
- Delitos contra direitos da União, suas autarquias ou empresas públicas;
- Crimes previstos em tratado ou convenção internacional;
- Envolvendo direitos humanos decorrentes de tratados internacionais;
- Crimes contra a organização do trabalho;
- Crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;
- Habeas corpus em matéria criminal federal
- Mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal;
- Crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves;
- Crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro;
- Execução de carta rogatória de outro país ou sentença estrangeira
- Referentes à nacionalidade
- Disputas sobre direitos indígenas.
Os crimes de formação de quadrilha ou corrupção não entram aqui, necessariamente. Eles só serão julgados pela justiça federal se estiverem ligados a um dos pontos acima.
A regrinha é que as causas são julgadas por juízes estaduais de primeira instância, exceto se a lei disser que tal causa ou pessoa só pode ser julgada em outra área da justiça.