“Por um pouco mais de tempo
Há uma grande resistência em relação ao programa de internação compulsória que o governo Geraldo Alckmin (PSDB) colocou em prática ontem --um ano depois de uma fracassada operação policial na cracolândia.
Primeiro, porque há uma série de interrogações sobre como isso será feito. Qual o perfil de quem será internado à revelia? Haverá ou não o uso da polícia? E a principal questão: o Estado tem condições de fazer esse tratamento? Como?
Isso sem falar no temor de que o novo programa seja só mais uma jogada para mascarar a deficiência do Estado no atendimento dos quase 2.000 moradores da cracolândia”
A Lei 11.343/06, que trata dos crimes relacionados às drogas, não prevê internação de usuários. O art. 28 prevê penas de advertência, prestação de serviço à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Ela diz ‘comparecer’ e não ‘ser internado’ ou algo do gênero. Logo, a pessoa está solta. Logo, o governo não pode internar as pessoas como se fosse uma pena.
Já a Lei 10.216/01, que trata de saúde mental, prevê duas formas de internação psiquiátrica contra a vontade do internado. A primeira é a involuntária. Ela ocorre sem o consentimento do internado, mas a pedido de uma terceira pessoa (normalmente ascendentes, descendentes e cônjuges).
A internação voluntária precisa ser previamente autorizada por médico, comunicada ao Ministério Púbico em 72 horas, e só tem fim se o familiar pedir o fim da internação, por determinação dos especialistas do estabelecimento no qual a pessoa está internada. A lei não menciona, mas é óbvio que um magistrado também pode ordenar a liberação da pessoa.
A segunda é a compulsória, que ocorre por ordem judicial. E é ela que está gerando boa parte da polêmica.
O governo estadual está trabalhando com o Judiciário e Ministério Público estaduais para facilitar o processo de internação. Do ponto de vista jurídico, uma simples parceria não gera problema. Mas então, por que a polêmica?
Deixando de lado as questões partidárias, especialistas divergem sobre o efeito da internação. Ou seja, se o governo está apenas tentando retirar os viciados das ruas ou está tentando de fato tratá-los. Isso é importante porque a lei que autoriza a internação também estabelece que ela deve ter como objetivo a “reinserção social do paciente em seu meio".
Se a internação serve apenas para retirar viciado da rua, ela está indo justamente na direção oposta à reinserção. Ela se tornaria uma punição e não uma medida de saúde. E, como visto acima, a prisão não é uma pena possível para o usuário.
Para que haja a reinserção, segundo a própria lei, “o tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros”. A lei proíbe textualmente asilar o dependente. A internação é o meio e não o fim em si. Se o governo simplesmente internar e esquecer o dependente, ou internar sem prover a estrutura de tratamento necessária, ele estará descumprindo a lei, e a internação será ilegal.
Mas se governo, Judiciário e Ministério Público estão trabalhando em parceria para a internação dos viciados, e essa internação passa a ser ilegal, quem irá proteger o paciente?