“Justiça suspende processos contra Eike Batista e afasta juiz
O TRF (Tribunal Regional Federal) da 2ª Região (Rio e Espírito Santo) suspendeu, nesta terça-feira (3), todos os processos contra o empresário Eike Batista exceto o que diz respeito à apreensão de seus bens. Eles ficam parados até que o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) decida sobre o caso.
Além de paralisar os processos de Eike Batista, os desembargadores da segunda turma do TRF decidiram ainda, por unanimidade, afastar o juiz Flavio Roberto de Souza de todos os processos contra o empresário, anulando assim suas decisões sobre o caso.
O juiz foi flagrado na terça (24), dirigindo o Porsche do empresário havia sido apreendido. À Folha ele disse que a atitude é normal (...)
‘A decisão não dá ao réu, Eike Batista, o caráter de mártir, herói ou inocente por antecipação’, explicou o desembargador Mesoud Azulay Neto, relator do caso (…)
‘Ele (juiz Flavio Roberto de Souza) não pode atuar no processo. Sempre defendemos um juiz isento. Agora vamos esperar a decisão do CNJ para avaliar as medidas que iremos tomar sobre o processo e os bens’, disse o advogado Sergio Bermudes, que defende Eike Batista.”
A função do magistrado é julgar e não ser justiceiro. Há uma diferença clara entre aquele cuja a única função é interpretar os fatos e aplicar a lei a tais fatos, e aquele que dita as regras a serem aplicadas aos fatos.
No primeiro caso, há um delicado sistema de freios e contrapesos no qual o magistrado está subordinado à lei que emana não de sua vontade, mas da vontade de representantes eleitos. Ele é apenas um operário da lei.
No segundo caso, ele se dá o direito não só de aplicar a lei, mas de determinar a lei. Ele é legislador e julgador ao mesmo tempo. O sistema de freios e contrapesos é muito mais fraco ou mesmo inexiste.
Parece óbvio que o primeiro sistema é muito mais democrático do que o segundo. Mas o que espanta é que o segundo sistema é aquele que predomina em muitas das democracias mais avançadas que usam o sistema chmado de common law, onde magistrados não só aplicam as leis, mas na ausência de tais leis, também as fazem, formando uma vasta jurisprudência com força de lei a ser seguida por outros magistrados no futuro.
É o caso dos EUA, Canadá, Inglaterra, Austrália, Nova Zelândia e assim por diante. Sim, há também os Zimbábues do mundo nesse grupo. Mas, ainda assim, intriga como é que um sistema em teoria mais exposto a abusos é justamente aquele que não só funciona como pilar de democracias avançadas mas também é um produto de exportação de tais países. Para ficar em um único exemplo, milhões de empresas do mundo inteiro – incluindo milhares de empresas brasileiras – assinam contratos todos os anos elegendo as cortes americanas, inglesas e afins para julgarem seus casos, ainda que isso torne seus processos muito mais caros já que honorários cobrados por advogados em tais jurisdições são consideravelmente mais elevados (o que acaba gerando bilhões de dólares e libras para as economias daqueles países).
Tornam-se produtos de exportação e possibilitam o avanço econômico, social e político de tais países porque são sistemas jurídicos estáveis. São judiciários nos quais se pode confiar. Mas isso apenas torna a pergunta ainda mais crucial: como é que sistemas inerentemente mais fracos podem tornar-se tão fortes?
A resposta está na qualidade daqueles que operam o sistema.
Não é apenas a qualidade técnica de magistrados e juristas e sua tendência de se voltarem para a solução de problemas práticos em vez de discussões teóricas, mas sobretudo a pressão moral que existe dentro da classe e da sociedade em relação aos magistrados e demais juristas.
Pequenos deslizes não são tolerados ou toleráveis. Insinuações e suspeições são tratadas com rigor. Todos – tanto aqueles dentro quanto aqueles fora do sistema – protegem a respeitabilidade da instituição.
Para ficarmos no mais simples dos exemplos: qual foi a última vez que você viu alguma matéria na qual alguma testemunha foi condenada por ter mentido a uma magistrado brasileiro?