“A Polícia Federal prendeu ontem o norte-americano Kenneth Andrew Craig, 42, um dos homens mais procurados nos EUA. Segundo a Interpol, Craig é acusado de atentado ao pudor contra dois adolescentes em outubro de 1998 no Estado americano da Flórida.
As vítimas eram menores de 16 anos na época. Ele chegou a ser preso em 1999, mas fugiu para o Brasil após pagar fiança. A recompensa pela sua captura era de R$ 15 mil.
Uma ligação anônima revelou onde Craig estava. O local não foi divulgado à imprensa. Antes da prisão, a PF recebeu uma ligação do advogado do acusado, que negociou sua entrega. A defesa diz que a extradição de Craig será julgada pelo Supremo Tribunal Federal.”
Na verdade, o crime de atentado violento ao pudor já não existe no Brasil e nunca existiu nos EUA, logo ele não pode ter sido preso por isso. Por qual crime ele foi preso, então? Pelo de estupro.
Até meados de 2009, no Brasil, havia dois crimes: o de estupro e o de atentado violento ao pudor. O estupro era apenas a penetração do pênis na vagina. Todas as outras formas de sexo feito à força ou sob ameaça eram chamadas de atentado violento ao pudor. Logo, apenas uma mulher poderia ser vítima de estupro (desnecessário lembrar, mas apenas a mulher tem vagina). E mais: estupro ocorria apenas quando houvesse sexo vaginal. Se o criminoso, por exemplo, a forçasse a fazer sexo vaginal e anal ou oral, ele estaria cometendo dois crimes ao mesmo tempo (e receberia uma pena bem maior): o estupro e o atentado violento ao pudor.
Também por conta disso, os homens podiam ser apenas violentados, e não estuprados. Era o caso dos adolescentes na matéria acima. Portanto, quando o pedido chegou ao Brasil (se chegou antes de Agosto de 2009), ele foi traduzido como ‘atentado violento ao pudor’.
Mas desde 2009, o que eram dois crimes passou a ser apenas um: estupro. Hoje estupro é qualquer forma de sexo forçado ou feito sob ameaça. Não importa se vaginal, oral ou anal. E não importa se a vítima é homem ou mulher. Qualquer um pode ser vítima de estupro. Logo, o suspeito acima não poderia ter sido preso por esse crime. Ainda que o pedido tenha sido feito antes de 2009 (não dá para saber se foi apenas lendo a matéria), o momento da prisão foi ontem, e logo deve-se usar a lei atual.
Um outro ponto interessante sobre essa mudança é o que fazer com os milhares de condenados pelos dois crimes (estupro e atentado violento ao pudor) que ainda estão cumprindo a pena. Se alguém foi condenado apenas por atentado violento ao pudor, a pena passou a ser tratada como a de um estupro porque um crime incorporou o outro. Mas e se ele cometeu os dois crimes? Como a lei se esqueceu de falar o que aconteceria com essas pessoas, nós tivemos recentemente uma grande quantidade de recursos alegando que, como os dois crimes passaram a ser apenas um, a pena do atentado violento ao pudor deixaria de existir e logo o total de pena a ser cumprido pelo condenado deveria diminuir.
É por isso que sempre que discutimos mudança de uma lei é essencial pensar não só no que vai acontecer com os casos futuros, como também o que isso significa para os casos ainda sendo julgados e os que acabaram de ser julgados.