“FOLHA - Por que seus pais preferiram doar a coleção ao invés de deixá-la com você? BIA - Foi um meio de punição por eu não ter obedecido a uma ordem deles. Aliás, a várias ordens deles. Porque eu não aceitava nenhuma coleira. Nem de couro nem de brilhantes. Eu sempre fui da pá virada, sabe? Sempre tive muita personalidade e sempre aprontava das minhas. Eu fazia tudo o que eu queria. Saía, voltava tarde...
Mas nunca tinha acontecido de eu casar com alguém! E, quando eu me casei, foi contra a vontade deles. Primeiro porque meu marido não era judeu. Depois, porque não era rico. Estou casada há 21 anos. Outros casamentos, que foram abençoados naquela época, estão mortos.As mulheres estão pesando 90 kg. Os maridos largaram delas, roubaram todo o dinheiro delas nas ilhas Cayman. E o meu, que ninguém deu nada por ele, já dura 21 anos. Então, depois do casamento, meu pai fez um testamento para que tudo o que eu herdasse ficasse inalienável. Eu não poderia vender nada. Criaram a Fundação Nemirovsky e doaram as obras.”
Reparem que o pai não deixou todos os bens para outra pessoa. Apenas impediu que a filha vendesse os bens herdados. Isso porque, por lei, a filha é o que chamamos de herdeira necessaria.
Herdeiros necessários são os descendentes (filhos, netos, bisnetos, etc), ascendentes (pais, avós, bisavós, etc) e cônjuge. Se um ou mais desses herdeiros estiverem vivos, o testamento não pode dispor de mais da metade dos bens para outras pessoas ou instituições. Em outra palavras, o sucedido (aquele que morreu) só tem a metade de seus bens disponíveis, ou seja, aptos a serem doados a quem quer que ele deseje beneficiar. A outra metade deve, obrigatoriamente, ser herdada pelo(s) herdeiro(s) necessário(s).
O que os pais no caso acima fizeram foi estabelecer a cláusula de inalienabilidade (i.e., impossibilidade de venda ou doação) dos bens herdados pela herdeira necessária. Esse é um expediente muito utilizado por pais ricos de filhos pródigos (“pródigo”, aliás, é um termo jurídico que se refere àquelas pessoas maiores de 18 anos que não tem capacidade de controlar suas próprias finanças e bens, e acabam gastando de forma irracional e por isso acabam impedidas pela justiça de gerenciarem suas finanças sem assistência de outra pessoa).
Já a segunda parte (“criaram a Fundação e doaram as obras”) foi feita com a parte dos bens disponíveis (a metade dos bens que pode ser livremente disposta pelo sucedido).
Se a Fundação e a filha viva foram os únicos herdeiros, a filha recebeu, no minimo, o mesmo valor que a Fundação.