"A transferência de bens do devedor ocorrida após a inscrição do débito tributário em dívida ativa configura fraude contra a execução fiscal, independentemente de haver qualquer registro de penhora e de ser provada a má-fé do adquirente. Essas condições são exigíveis apenas para se caracterizar a fraude em caso de dívidas não tributárias, conforme decidiu a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A decisão foi tomada no julgamento de um recurso da Fazenda Nacional destacado como representativo de controvérsia. Em razão disso, o entendimento deve agora orientar as decisões da Justiça sobre os demais recursos que abordam a mesma questão jurídica, e que estavam à espera de uma posição do STJ. O relator do caso, ministro Luiz Fux, afirmou em seu voto que "a lei especial prevalece sobre a lei geral, por isso que a Súmula nº 375 do STJ não se aplica às execuções fiscais". A súmula citada diz que "o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente."
A fraude à execução é uma das situações previstas na lei pela qual os bens de uma pessoa passam a responder pelas dívidas de outra (um outro exemplo é a desconsideração da personalidade jurídica, da qual falaremos em outra oportunidade).
No caso mais comum, previsto no artigo 593 do Código de Processo Civil, o legislador permite que o magistrado penhore (retome) um bem que foi alienado (vendido, doado etc) por um devedor que já estava sendo processado. Em outras palavras, se o devedor tentou esvaziar seu patrimônio para não pagar o que devia (cumprir a sentença caso perca o processo), ele terá cometido fraude à execução.
No entanto, para que não haja injustiça, a pessoa que adquiriu o bem do devedor só perde esse bem se ficar provado que essa aquisição se deu de má-fé, ou seja, que quem comprou o bem sabia do processo que estava em curso (ou, ao menos, tinha fortes razões para saber). Se for o caso de uma doação, o juiz sequer vai olhar se houve boa fé pois quem recebeu o bem não gastou nada, e se a justiça retomar o bem não ficará em situação pior do que a na qual estava antes de recebê-lo de graça.
Um meio de o credor se precaver é averbar (fazer inserir nos registros públicos) a existência de seu processo contra o devedor ou da penhora do bem (se esta já tiver ocorrido) no cartório de registro de imóveis ou no Detran. Como esses registros são públicos, eles geram a presunção de que quem adquiriu a casa ou carro do devedor teria como saber da existência do processo.
É exatamente para realizarmos uma compra de boa-fé que tiramos aquelas infindáveis certidões dos registros de imóveis (ou do Detran, se o bem for um carro), e dos cartórios distribuidores quando vamos adquirir um bem de maior valor. Se em alguma dessas certidões aparecer um processo contra o devedor, convém pedir para um advogado examiná-lo para que não haja o risco de a aquisição estar ocorrendo em fraude à execução.
O julgamento relatado na matéria trata de um caso mais específico de fraude de execução. Aquele em que o credor é o Fisco (governo) cobrando seus tributos. Esse caso está previsto no artigo 185 do Código Tributário Nacional.
O que o Superior Tribunal de Justiça decidiu é que a Súmula 375 não se aplica neste caso, de modo que a pessoa perderá o bem mesmo se o negócio ocorreu de boa-fé.
A justificativa desse tratamento especial, segundo o STJ é que "o recolhimento dos tributos serve à satisfação das necessidades coletivas". Em outras palavras, o que os STJ decidiu é que os interesses dos particulares que realizam seus negócios de boa-fé devem ser sacrificados em benefício do interesse público de arrecadação dos tributos.
Amanhã usaremos essa mesma matéria para entendermos o que significa "recursodestacado como representativo de controvérsia".