"Pela primeira vez, dados oficiais apontam que miséria parou de cair
Sem fazer alarde, o governo Dilma Rousseff já apurou os primeiros dados oficiais que mostram a interrupção do processo de redução da miséria.
Segundo cálculos do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, ligado ao Palácio do Planalto), o número de indigentes do país cresceu de 10,08 milhões, em 2012, para 10,45 milhões no ano passado (...)
A Folha já havia noticiado que um estudo independente mostrava a estabilidade da miséria. O Ipea, que todos os anos apura os resultados com base em pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), alegou estar retardando os resultados em respeito à legislação eleitoral.
Não está claro, ainda, que restrição legal haveria para a divulgação. Nas eleições de 2010, o instituto públicou os dados - então favoráveis - em 5 de outubro, pouco depois do 1º turno"
Vale lembrar: o IPEA é uma fundação pública vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da presidência da República, e o IBGE é outra fundação pública, vinculada ao Ministério do Planejamento.
O assunto é sério por vários motivos.
Primeiro, porque vem no rastro de diversos outros dados negativos em relação ao país que, coincidência ou não, foram divulgados imediatamente após o segundo turno das eleições.
Isso, obviamente, levanta o debate sobre a independência das instituições públicas e seus servidores.
Embora haja cargos de confianca que são de livre nomeação e remoção pelos chefes do Executivo, servidores públicos concursados se beneficiam da estabilidade funcional justamente para não ficarem expostos às pressões e ventos políticos. Para que executem suas funções em favor da sociedade e não deste ou daquele governante. Mas se eles se deixam submeter a pressões políticas, então qual é a finalidade de terem a proteção oferecida pela estabilidade funcional?
Segundo, como a reportagem salientou, não há previsão legal para se atrasar a divulgação de dados por conta das eleições, sejam eles favoráveis ou não a quem quer que seja. Tanto é assim que nos anos anteriores os dados, então favoráeis ao governo, foram divulgados durante o período eleitoral.
E terceiro, e muito mais grave, é que esconder ou retardar dados negativos para depois das eleições enfraquece a legitimidade do resultado das eleições e, por consequência, enfraquece a democracia.
Correto ou não, fica-se com a sensação de que os eleitores votaram não por opção, mas por ausência de informação.
É absolutamente legítimo em uma democracia que os eleitores escolham o partido ou candidato A ou B porque acreditam em suas plataformas e ideais, ainda que os resultados de sua administração sejam negativos. Escolhem tais candidatos porque enxergam em suas plataformas algo mais importante do que aquilo que é demonstrado por esse ou aquele resultado. Escolhem arcar com certos custos e consequências em nome de um ideal maior.
O problema para a democracia surge quando suas escolhas são feitas com base em informações incorretas ou informações que seriam relevantes em suas escolhas são omitidas. Escolhem arcar com certos custos e consequências sem saber ao certo que estão fazendo tal escolha. E isso tira a legitimidade tanto de suas escolhas ao votarem quanto das ações do governante eleito para implementar suas propostas políticas.
Pior: possibilita a partidos de oposição questionarem a legitimidade dos resultados das urnas. Em democracias frágeis esse debate sobre qual teria sido o resultado das urnas se os eleitores soubessem no que estavam votando pode acabar em violência desnecessária ou em demagogia, o que em nada ajuda no desenvolvimento do país.
Se vale a analogia, é como se você encontrasse um carro usado por um um ótimo preço, e depois descobrisse que ele tem um defeito. Se antes de fechar o negócio o vendedor tivesse lhe mostrado o defeito, talvez você ainda tivesse comprado o carro porque o desconto era muito bom ou o defeito era muito pequeno. Ou talvez você tivesse mudado de ideia e decidido não comprar. Mas como você comprou sem saber do defeito, e isso macula a transação.