“Fotos de índias nuas em ritual são retiradas do ar por Facebook
Duas fotos que retratam índias do Alto Xingu, em Mato Grosso, do documentário brasileiro ‘As Hiper Mulheres’, foram removidas da página do filme no Facebook sob alegação de violar a declaração de direitos e responsabilidades da empresa.
Para as fotos voltarem ao ar, a produtora do filme pôs tarjas pretas sobre os seios e órgãos genitais das índias.
O longa, dirigido por Leonardo Sette, Takumã Kuikuro e pelo antropólogo Carlos Fausto e premiado no Festival de Gramado, narra o ‘Jamurikumalu’, maior ritual feminino da tribo (…)
Por meio de sua assessoria, o Facebook afirmou que não comenta casos específicos. Sobre ‘nudez e pornografia’, nos padrões da comunidade da empresa, ela afirma: ‘(...) também impomos limitações na exibição de nudez. Almejamos respeitar o direito das pessoas de compartilhar conteúdo de importância pessoal, sejam fotos de uma escultura, como Davi de Michelangelo, ou fotos de família da amamentação de uma criança.’”
Ficou famosa a polêmica quando a mesma rede social baniu usuários que haviam colocado fotos da pintura Origem do Mundo, de Gustave Courbet, em 2011. Deixando as questões de moralidade e gosto de lado, a ação levanta questões jurídicas importantes.
As redes sociais se tornaram uma das principais formas de comunicação entre seus usuários. No caso do Facebook, cerca de um em cada sete habitantes do planeta utiliza a plataforma.
Em uma democracia, as regras são estabelecidas pela própria sociedade que se submete à ela. Podemos ter variações individuais mas, de forma geral, a lei reflete (ou deveria refletir) a média da sociedade.
Mas as regras das redes sociais são estabelecidas por um grupo pequeno – às vezes meia dúzia de pessoas – que não foram escolhidos por quem será submetido às suas regras. Se o dono da rede tem uma determinada orientação moral, religiosa ou artística, ele acaba impondo sua orientação a um enorme universo de pessoas que não a compartilham.
Em teoria, se os usuários não concordarem, podem simplesmente deixar de usar o serviço.
O problema surge, contudo, quando o uso não é mais uma simples questão de opção, mas de necessidade. Se, por exemplo, todas as pessoas de seu círculo social se comunicam através daquela plataforma, deixar de usá-la significa o ostracismo social.
O mesmo raciocínio vale para serviços de email ou de mensagem instantânea. Se apenas algumas pessoas utilizam determinado serviço, não há problema em a empresa (privada) dona da plataforma impor suas regras de uso como bem entender. Mas se milhões de pessoas necessitam usar a plataforma para se comunicarem, e as empresas estabelecem limitações à liberdade de expressão dos usuários, isso pode estar ferindo vários dos direitos fundamentais, como a liberdade de associação ou de expressão.
Afinal, quando é que um serviço passa a ser tão essencial que, mesmo sendo fornecido pela iniciativa privada, ele precisa ser controlado pelo Estado, como aviação, eletricidade ou serviços bancários?
Mas ainda que cheguemos a uma conclusão de que é necessário alguma forma de regulamentação estatal, há duas outras questões muito mais complicadas: qual é o padrão aceitável e qual jurisdição aplicaria a regra?
Pense no caso Jamurikumalu, citado na matéria acima. O Ministério da Justiça brasileiro classifica tal nudez como algo que pode ser exibido para crianças, mas considera a exibição de nudez erótica (o que quer que isso signifique) para um adolescente algo inaceitável. Alguns países dirão que qualquer nudez é inaceitável e outros dirão que a nudez erótica pode ser exibida para menores de 18. Afinal, quem determinaria o padrão de ‘aceitabilidade’ em uma audiência global?
E pense no caso da Origem do Mundo, novamente. Uma empresa americana baniu um usuário dinamarquês por ter colocado em sua página a foto de uma pintura de um artista francês feita em 1866, provavelmente porque um usuário de um quarto país reclamou. O problema não está apenas no fato de uma pintura feita há quase 150 anos e exibida em um dos principais museus do mundo ter sido banida pela empresa. Vai mais além: se a questão tivesse que ser decidida pela Justiça, a Justiça de qual país seria adequada para decidir se o padrão de moralidade foi desrespeitado?