“The woman who lost all seven children
Sharon Bernardi lost all seven of her children to a rare genetic disease. It has driven her to support medical research that would allow defective genetic material to be replaced by DNA from another woman”
Essa é a história de uma mãe que deu a luz a 7 crianças: 3 morreram em menos de um dia, três morreram antes de completarem dois anos, e uma morreu aos 21 anos. Todas por causa de uma condição genética da mãe.
Ela traz à tona um dos assuntos mais delicados e mal resolvidos do mundo jurídico: o que fazer se sabemos que da possibilidade de a criança não nascer, morrer logo depois do nascimento, ou sobreviver, mas sofrendo?
Se você espera encontrar abaixo a resposta, não perca seu tempo: nenhum sistema jurídico encontrou uma resposta satisfatória. Mas isso não significa que não devamos analisar o assunto.
Primeiro, porque há, no mínimo, dois direitos igualmente válidos em conflito: de um lado, a nossa vontade (ou necessidade) de perpetuarmos nossos genes através de nossos filhos. E do outro lado, o direito daquele que ainda viverá de não ser posto no mundo para sofrer ou já condenado a uma existência mínima.
Imagine o que seria nascer para viver de dor e sofrimento. Isso deixaria de ser vida e passaria a ser mera sobrevivência. É por isso que escravidão e geração de fetos para doação de órgãos causam repulsa e controvérsia. Mas isso também ocorre quando passamos a dizer que podemos decidir se uma pessoa pode ou não ter o direito de ter um filho. Basta lembrarmos do debate a respeito da proibição de se ter mais de um filho na China.
Mas esses são dois extremos de um mesmo plano. Entre eles, há uma infinidades de diferentes tonalidades de cinza.
Os existencialistas dirão que a vida, qualquer que seja, é sofrimento e o melhor é aceitar isso e seguir adiante. Os fatalistas dirão que a única coisa que todos fazemos assim que nascemos, é começarmos a morrer. A única diferença é o ‘quando’, e isso ninguém sabe. Outros dirão que o importante não é o quanto alguém vive, mas o que ele faz durante a vida que teve. Várias religiões vêem a dor e o sofrimento como mecanismos de provação, purgação ou aprimoramento. Outras focam no conceito de que a vida é preparação para a morte. E a maior parte de nós vai conhecer ao menos uma pessoa que é um exemplo de superação.
Alguns dirão que todas as posições acima são belas e aceitáveis, mas que uma mãe que teve 7 filhos que morreram ainda bebês e que sofreram mais do que o normal não deveria continuar tentando. Afinal, o que ela está fazendo é condenando crianças a sofrerem. E outros dirão que ela não pode ser condenada a abdicar de um direito que todos temos e que devemos respeitar e apoiar sua esperança. Todos debates aceitáveis, ainda que intermináveis.
Se não há consenso social, a lei não consegue prover uma solução satisfatória ou mesmo lógica. Se não sabemos qual é a solução, não adianta tentar formular uma lei que resolva o problema.
Mas existe um outro plano que gera controvérsias muito mais graves: a eugenia. O aprimoramento de nossa espécie através de uma seleção feita por nós mesmos.
A ideia parte da leitura equivocada do conceito darwiniano de evolução das espécies.
A princípio, a ideia é ótima: afinal, todos queremos evoluir, sermos melhores. Ninguém quer comprar um modelo de telefone ultrapassado.
Mas existe um problema essencial na eugenia: em biologia, não existe uma direção que aponta ‘esse é o melhor caminho a seguir’. A expressão ‘sobrevivência do mais forte’ é uma tradução incorreta (preconceituosa e machista) do conceito proposto por Darwin. O que ele disse (em inglês) é ‘survival of the fittest”, que traduzido corretamente significa ‘sobrevivência do melhor adaptado’. Se a evolução favorecesse o mais forte, as baleias azuis não estariam ameaçadas de extinção (as baratas, por outro lado, já teriam desaparecido). A evolução não favorece o mais forte, mas o melhor adaptado.
E adaptados ao quê? Isso ninguém sabe porque, como o nome do livro de Darwin deixa claro, a seleção é natural, ou seja, são eventos impostos pela natureza, que não controlamos. Um asteroide que cai aqui, um aquecimento global acolá, um aumento das geleiras glaciais mais adiante, a falta de comida no dia seguinte. O gene melhor adaptado às circunstâncias daquele momento histórico é que se perpetuarão porque quem os carrega ficará vivo por mais tempo e se reproduzirá com mais sucesso. Os dinossauros padeceram porque, embora fortes, seus genes não eram bem adaptados para sobreviverem num planeta atingido por um asteroide gigantesco. Os mamíferos, por outro lado (e para nossa sorte), eram.
O problema da eugenia entra justamente aí: ela parte da ideia de que sabemos o que é melhor e mais desejável – de que sabemos qual é a direção a seguir – e que por isso podemos fazer uma seleção artificial de nossa própria espécie. E, pior, quase sempre baseada em conceitos do que pensamos ser desejável, como padrões de beleza. Por ser ilógica, é fácil nos opormos a ela.
Onde as coisas se complicam é quando temos que decidir se proibir uma mulher que teve 7 filhos mortos por uma mesma causa genética de tentar engravidar novamente seria eugenia, bom senso estatístico, imperativo moral ou puro preconceito.
Atualmente, o mundo ocidental tende para o ‘é um direito dela’ e cabe apenas a ela decidir se quer tentar novamente. Mas devemos tomar cuidado em achar que esse é um debate terminado: ainda na década de 1970 alguns países desenvolvidos esterilizavam pacientes com deficiência mental.