"E se houver empate no Colégio Eleitoral?
Nunca aconteceu, mas, se Obama e Romney ficarem com 269 delegados cada um, o presidente será escolhido pela Câmara (onde os republicanos são maioria) e o vice pelo Senado (dominado pelos democratas)"
Há dois erros aqui. Mas, primeiro, precisamos entender o sistema eleitoral.
Para ser eleito presidente nos EUA, é necessária a maioria dos votos (no caso do Brasil, do voto dos eleitores; no caso dos EUA, dos votos no colégio eleitoral).
Normalmente pensamos nos EUA como um sistema bipartidário. Na verdade, ele é bipartidário apenas na prática. Na teoria, ele é pluripartidário. E é aí que entra o problema. Quem vence a eleição não é quem consegue mais votos do que os outros candidatos: é quem consegue a maioria dos votos. Por exemplo, se há três candidatos, com o preferido recendo 40% dos votos e os outros dois 30% (cada um), há claramente um campeão de votos, mas ele não terá vencido a eleição porque não conseguiu mais de 50% dos votos. Nesse caso, quem decide é a Câmara dos EUA.
E foi justamente isso que aconteceu em 1824, quando nenhum dos três candidatos mais votados conseguiu a maioria dos votos.
O primeiro erro na informação acima é que, na verdade, a votação na Câmara é feita por Estado, e não por cabeça. Ou seja, a eleição é feita com um total de 50 votos (são 50 Estados) e não com 435 votos (são 435 deputados federais nos EUA). Os deputados de cada Estado decidem, por maioria, para quem o voto daquele Estado irá. Por exemplo, se um Estado tem 3 deputados, e um votar no candidato A e os outros dois votarem no candidato B, a eleição será de 1x0 para o candidato B naquele Estado (e não de 2x1, como seria se os votos fossem por cabeça).
Mas vamos continuar entendendo o sistema norte-americano.
Os eleitores não elegem diretamente o candidato. Eles elegem delegados para o colégio eleitoral que prometem votar no candidato escolhido pelos eleitores daquele Estado.
O sistema foi criado para facilitar o processo eleitoral em um país de dimensões continentais num período em que não havia meios seguros de telecomunicações e meios de transporte que garantissem a chegada das urnas. Por isso eles preferiam eleger delegados que representariam os votos dos eleitores daquele Estado. Estranhamente o sistema existe até hoje, e assim a segunda maior democracia do planeta tem seu presidente escolhido indiretamente.
Nos EUA o voto é facultativo. Os eleitores escolhem os delegados para o colégio eleitoral. Essa votação (a cada quatro anos, como no Brasil) ocorre na terça-feira após a primeira segunda-feira de novembro (segundo os anais da Biblioteca do Congresso, essa estranha data era para garantir que a votação não atrapalhasse as colheitas antes do inverno no hemisfério Norte e, ao mesmo tempo, ainda não haveria neve a ponto de impedir a viagem. Como domingo era o dia de oração para as duas religiões predominantes – protestantismo e catolicismo – os eleitores poderiam viajar para os centros de votação na segunda-feira e votar na terça).
Os delegados para o colégio eleitoral não são obrigados a votarem em quem dizem que votarão. Ao menos não na maior parte dos Estados.
O sistema norte-americano é o sistema ‘the winner takes all’: o vencedor naquele Estado leva todos os votos a que aquele Estado tem direito no colégio eleitoral. Mesmo que o vencedor tenha vencido por 50,0001% (contra 49,9999% do adversário), é como se ele tivesse vencido com 100% dos votos naquele Estado. Mas isso é uma meia-verdade porque há dois Estados nos quais impera o sistema distrital misto: Maine e Nebraska. Neles, os votos são divididos. No Maine, por exemplo, duas das cadeiras no colégio eleitoral vão para o vencedor no Estado (delegados supra-distritais), e as outras duas cadeiras vão para o vencedor em cada um dos distritos do Estado (cada distrito tem direito a uma cadeira).
O número de delegados por Estado depende do número de congressistas daquele Estado. Como o número de congressistas varia de acordo com a população, o número de delegados é relacionado à população de cada Estado. Por isso vemos os candidatos se concentrarem tanto em alguns Estados e ignorarem outros. Para vencer, um candidato precisa obter a maioria simples dos votos no colégio eleitoral. Como existem 538 cadeiras no colégio eleitoral, essa maioria é garantida quando se consegue 270 votos. Um candidato já garantiria 271 votos se vencesse nos onze maiores Estados. Obviamente, se houver um terceiro candidato que obtenha algum voto no colégio eleitoral, o número de votos necessário para ser eleito diminui (a última vez que o colégio eleitoral votou em mais de dois candidatos foi em 1968, quando votou em George Wallace – o governador pró-apartheid que aparece sendo morto no filme Forrest Gump – que concorreu pelo partido Independente Americano).
Como o sistema não leva em conta o real número de votos populares recebidos pelo candidato, o vencedor no voto popular pode não ser o vencedor no colégio eleitoral. E isso já aconteceu três vezes na história dos EUA (e, em todas as três, coincidentemente o beneficiado pertencia ao partido Republicano):
Os delegados do colégio eleitoral votam na primeira segunda-feira depois da segunda quarta-feira de dezembro. Como já vimos, um delegado não é obrigado a votar em quem disse que iria votar (embora tenha que arcar com o custo moral disso). Apenas em 24 Estados (e em Washington D.C.) os delegados são obrigados a votarem em quem disseram que votariam. Mas ninguém nunca foi punido. Nas eleições de 2000, por exemplo, uma das delegadas de Washington D.C. (Barbara Lett-Simmons) deixou de votar em Al Gore (por isso a soma dos resultados na tabela acima é 537 e não 538) em protesto contra o fato de a capital não ter direito à representação no Congresso Nacional.
Eleito o presidente, ele toma posse em 20 de janeiro do ano seguinte, para um mandato de 4 anos.
É relativamente fácil haver um empate no colégio eleitoral. E esse é o segundo erro na matéria acima: já houve, sim, empate de votos entre dois candidatos. Em 1800, quando Thomas Jefferson empatou com Aaron Burr: cada um recebeu 73 votos.
Na época, cada delegado tinha dois votos. Quem recebia o maior número de votos era eleito presidente, e o segundo colocado se tornava vice. O partido Democrata-Republicano (sim, os dois partidos, que agora se opõem, já foram unidos) apresentaram dois candidatos: Jefferson e Burr. O acordo era que todos os delegados votariam em Jefferson e todos, menos um, votaria em Burr. Mas isso acabou não acontecendo e ambos obtiveram o mesmo número de votos, o que gerou o empate. A decisão foi parar na Câmara, que acabou elegendo Jefferson.
Foi justamente por causa da confusão de 1800 que a Emenda XII foi promulgada logo depois (1804). Ela estabeleceu que cada delegado só poderia dar um voto e que em caso de empate, a House of Representatives (Câmara de Deputados) escolhe o presidente entre os três candidatos mais votados pelo colégio eleitoral e o Senado Federal escolhe o vice entre os dois candidatos a vice mais votados pelo colégio eleitoral. As regras de escolha em cada casa são diferentes. Na Câmara, os representantes de cada Estado – são 50 Estados – votam em blocos de Estado, ou seja, cada Estado tem direito a um voto (não importando o número de deputados daquele Estado), enquanto no Senado cada senador (são 100, no total, sendo dois por Estado além do presidente do Senado, que é o vice-presidente da República) vota separadamente.
Logo, ao contrário do que foi dito na matéria, não é o partido com maioria na Câmara que determina quem será o presidente em caso de empate: é o partido que domina a maioria de votos na maioria dos Estados. Um partido que tenha a totalidade de votos em Estados com muitos representantes pode acabar perdendo porque o outro partido, embora tenha menos deputados no total, tem a maioria de votos em vários Estados com poucos representantes.
Como as representações de cada partido no Senado e na Câmara podem ser diferentes, ainda é possível a eleição do presidente pertencente a um partido e do vice-presidente filiado a outro partido.
Por fim, voltando ao título do artigo, vale lembrar que hoje não é a eleição para presidente: hoje é a eleição dos delegados que votarão para presidente em dezembro.