“Maioridade penal
Acho errado internar menores em penitenciárias de adultos.
É evidente que um adolescente de 16 ou 17 anos capaz de assaltar à mão armada e atirar naqueles que se negarem a obedecê-lo tem consciência plena de que comete um ato abominável. Considerá-lo criança imatura para compreender a enormidade do crime praticado é paternalismo ridículo.
Também acho frouxa a legislação atual que recolhe um assassino dessa idade à Fundação Casa, para ser submetido à privação da liberdade e a medidas socioeducativas, por um período máximo de três anos.”
E também na Folha de hoje (4/4/15):
“Justiça e direitos para todos
Cerca de 70% dos países têm 18 anos como idade penal mínima. E essa é a realidade, sobretudo, nos países que têm democracias maduras e tradição na defesa dos direitos humanos. Países como a Alemanha e a Espanha, que reduziram a maioridade penal, diante da não diminuição da violência, recuaram de suas decisões...
A sociedade tem o desafio de reinserir quem comete atos infracionais, a partir de sanções que tenham eficácia e impeçam o infrator de voltar a delinquir. Enquanto os jovens em conflito com a lei que passam por unidades socioeducativas têm reincidência de 20%, no sistema penitenciário esse índice é de 70%”.
Já falamos do assunto aqui, mas vale lembrar: nosso debate tende a ser distorcido por lendas. A principal é que maioridade penal está relacionada com democracia.
A maioridade penal na maior parte dos países da União Europeia é significativamente menor do que no Brasil. Na Inglaterra, chega a ser quase a metade. E ninguém argumenta que a Europa seja menos democrática que o Brasil.
Naqueles países a realidade da execução é diferente, para preservar a integridade e dignidade do menor, mas a lei não parte da presunção que menores sejam incapazes de compreender o valor da vida humana. No Brasil, a lei presume a incapacidade intelectual do menor, mas a realidade da execução nos centros 'socioeducativos' é tão ou pior do que aquela das prisões de adultos.
Tampouco o contrário é verdade: maioridade baixa não é sinônimo de democracia. Sudão e Mianmar, duas ditaduras, adotam os 7 anos como limite.
O segundo mito é que a maioridade protege o menor. Suécia e Noruega – enaltecidos por suas políticas em relação a menores – têm maioridade penal aos 15 anos. A República Democrática do Congo tem idade penal idêntica à brasileira. E ninguém duvida onde o menor é melhor protegido.
O Paquistão está no outro extremo da maioridade penal, mas seus adolescentes e crianças estão tão desprotegidos quanto na RDC.
E é ainda mais difícil explicar por que nossa maioridade penal acontece aos 18 anos, e não aos 17 ou 19.
Há, contudo, alguns elementos que indicam a influência da cultura local.
Por exemplo, existe uma correlação forte entre maioridade alta e o predomínio do catolicismo em um país e a maioridade estabelecida por países vizinhos. E os dois elementos se aplicam ao Brasil: país de maioria católica e cercado por países com maioridade alta.
Ambos os textos acima tocam em um mesmo argumento: nossos adolescentes não devem cumprir penas junto com criminosos adultos.
Do ponto de vista de reabilitação – que é uma das funções da pena – colocar adolescentes com adultos pode ser um erro. Mas isso não quer dizer que não devamos reduzir a idade da maioridade penal. São debates distintos: um – sobre a redução da maioridade penal – é determinar a idade a partir da qual alguém tem a obrigação de saber que determinadas condutas não são legalmente aceitáveis e que responderão criminalmente por seus atos se assim agirem. A outra é saber onde tais pessoas cumprirão suas penas. São debates distintos e essa distinção precisa estar clara para que o debate não seja desinformado.
Da mesma forma como não devemos colocar presos de baixa periculosidade para cumprirem penas com os de alta periculosidade, ou não colocamos mulheres e homens para cumprirem penas no mesmo local, podemos – se quisermos – segregar adolescentes criminosos para cumprirem suas penas em locais distintos dos criminosos adultos. Mas isso não deve determinar se devem ou não ser tratados como criminosos, da mesma forma que não dizemos que mulheres ou presos de baixa periculosidade não devem ser tratados como criminosos só porque crumprem penas em locais distintos.
Não há resposta correta sobre quando alguém deve ser criminalmente responsável por seus atos ou onde deve cumprir sua pena. É uma escolha da sociedade. Mas tal escolha deve ser feita com base em informações e não em desinformação.
Em resumo, a maioridade penal não está vinculada à democracia. Há democracias e ditaduras em ambos os extremos da maioridade penal, e vice-versa. E tampouco devemos pautar o debate sobre a maioridade penal baseado em onde as penas devem ser cumpridas, pois são debates distintos.