“Após ser pichada e ter seu portão arrombado anteontem, a casa onde o atirador Wellington Menezes de Oliveira viveu até o ano passado, em Realengo, voltou a ser depredada na madrugada de ontem.
Vândalos destruíram o portão da garagem e tentaram invadir a casa, onde morava uma das irmãs adotivas de Wellington, que havia se mudado para Sepetiba. Ela, porém, deixou a casa no dia do massacre e não retornou ao local.
A Polícia Militar informou que, a partir de agora, deixará uma patrulha permanente vigiando a casa, que fica a três quadras da escola, já que a tendência é a de que aumentem as tentativas de depredação.”
Causar o dano ao patrimônio de outra pessoa – física ou jurídica – é um crime pela lei brasileira. É o que chamamos de crime de dano. Ele está previsto no artigo 163 de nosso Código Penal, que diz que é crime “destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia”.
Existem dois detalhes muito importantes para levarmos em consideração:
Primeiro, o fato de alguém ter cometido um crime não dá a ninguém o direito de cometer um crime contra ele. É o que alguns filósofos chamam de contrato social ou renúncia da violência, e significa que não podemos exercer a violência contra alguém que tenha cometido um delito. Essa função pertence ao Estado. É esse princípio básico que nos possibilita viver em sociedade. Se não fosse por ele, todos nós poderíamos estar todo o tempo punindo outras pessoas por acharmos/julgarmos que elas cometeram delitos contra nós ou contra terceiros. Seria a guerra de todos contra todos, o que é biológica e economicamente inviável (uma espécie que passa todo o tempo brigando não sobrevive, e uma sociedade que passa todo o tempo destruindo seus agentes econômicos, não prospera).
Óbvio que há exceções para essa regra. Por exemplo, se você se encontra em perigo, você pode se defender (legítima defesa) ou destruir o bem jurídico de outra pessoa para preservar o seu próprio bem jurídico (estado de necessidade). Mas em ambos os casos é essencial que haja o perigo ou risco imediato. Se seu bem jurídico (ou o de uma terceira pessoa) não está em perigo imediato, não há como dizer que você agiu em estado de necessidade ou legítima defesa. Você tinha tempo de pedir ao estado para interceder.
Não podemos dizer que no caso da matéria acima houve essa urgência. Pelo contrário. O crime cometido já está completo. Não há ninguém a ser protegido através da invasão ou destruição da propriedade do criminoso.
É comum pensarmos que, nesse caso, a pessoa que causa o dano seria absolvida porque não se poderia exigir dela uma conduta diversa, já que agia movida pela forte emoção gerada pelo crime. Mas, na verdade, o crime já foi cometido há alguns dias. As pessoas já tiveram tempo para assimilarem o choque gerado pela tragédia. É difícil tentar dizer que pessoas que sequer foram diretamente afetadas pelo delito ainda estão agindo emocionalmente vários dias após o crime ter ocorrido. Pelo contrário: na verdade, existe premeditação, que é o oposto de emoção. Alguém que compra um spray para pichar a casa de outra pessoa pensou (planejou) no que quer fazer muito antes de pichar a casa. Essa premeditação faz com que o crime seja punido de forma mais severa, já que o comportamento do criminoso – o pichador – é mais repugnante já que ele demonstra ter a frieza de planejar sua revanche.
O segundo ponto é que o imóvel invadido sequer pertence a quem matou as crianças. Ele pertence à irmã, segundo a matéria acima. Esse é outro princípio básico de uma sociedade democrática: a punição por um ato jamais vai além da pessoa do criminoso. Mesmo que fosse possível destruirmos a casa de um réu (o que, como acabamos de ver, não é), não poderíamos destruir a casa de sua irmã, já que ela não tem nada a ver com o crime. É o que diz nossa Constituição em seu artigo 5o, inciso XLV “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”. A idéia primitiva que a punição deveria se estender a toda a família e amigos do condenado não é válida no Brasil de hoje. Não importa quão grotesco tenha sido o delito cometido, os familiares do criminoso não podem sofrer qualquer sanção pelo crime. Se eles se beneficiaram do delito esse benefício pode ser desfeito, mas isso não é punição: é apenas um reequilíbrio de uma situação que não teria ocorrido se o delito não tivesse sido cometido.