"Mãe pede 'justiça' em enterro de filho de 2 anos esquecido em automóvel
Após enterrar o filho de dois anos no Rio, ontem (14), Carla Martins de Oliveira disse que só quer 'justiça'.
O menino Gabriel Martins de Oliveira da Silva, 2, morreu na última sexta (12) após ter ficado trancado num carro que fazia transporte escolar irregular.
'É um pedaço de mim que se foi. Eu estou indignada', afirmou Carla, que pediu punição à motorista do carro, Cláudia Vidal da Silva, 33.
A condutora alega que desmaiou dentro do veículo e, após se reanimar, notou que a criança estava desacordada. Já a polícia investiga se a criança foi esquecida dentro no carro".
Quem deixa uma criança no carro está abandonando ou está matando a criança se ela vier a morrer? Em casos como o acima, do ponto de vista factual, parece não fazer diferença. Mas do ponto de vista legal, há diferenças importantes quem levam a classificações distintas do crime.
O essencial é saber qual era a vontade do suspeito. Ele agiu de forma negligente e sua negligência acabou por matar a crianca, ou ele quis ou assumiu o risco de abandonar a criança sob seu cuidado incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono e tal abandono ocasionou a morte da criança?
A primeira conduta configura um homicídio culposo, cuja pena máxima são 3 anos de detenção. A segunda conduta configura o abandono de incapaz, e a pena máxima pode chegar a 12 anos de reclusão.
Crucialmente, não há abandono de incapaz na modalidade culposa. Isso significa que alguém que negligentemente, imprudentemente ou sem a perícia abandona o incapaz no carro não está cometendo tal crime. Só há abandono de incapaz se quem abandonou queria abandonar ou assumiu o risco de abandonar. A pessoa quis deixar a criança no carro ou assumiu tal risco? Se a resposta é negativa, não há abandono. O mero esquecimento não constitui abandono.
Por isso a maior parte dos casos do gênero acabam sendo enquadrados como homicídio culposo. No homicídio culposo, embora a conduta seja mais grave (matar, em vez de 'simplesmente' abandonar), porque ela é culposa (não intencional), a pena é consideravelmente menor. E o enquadramento é mais fácil pois não se olha a intenção do suspeito: basta olhar as consequências e se sua conduta foi imprudente, negligente ou sem a perícia.
Mas então qual o crime cometido por quem quis matar a criança abandonando-a no carro? Homicídio doloso ou abandono de incapaz?
Homicídio doloso. Aqui, a intenção é matar. No abandono de incapaz com resultado morte, quem abandona quer apenas abandonar, mas acaba matando sem querer. É o que os juristas chamam de preterdolo: a primeira conduta (abandonar) é intencional, mas a segunda (matar) não é intencional. É o que ocorre também, por exemplo, na lesão corporal seguida de morte: o criminoso queria machucar, mas acabou matando sem querer.
Mas e se no caso da reportagem acima a motorista de fato desmaiou? Nesse caso nao há crime. Por mais triste que seja, tragédias acontecem nas quais não há um culpado.