“Plano de saúde demora até 8 meses para cumprir liminar
A artista plástica Daniella Moreira, 34, descobriu no ano passado que tinha um câncer. Logo depois, soube que ele havia se espalhado pelo corpo. E, em seguida, que teria que desembolsar ao menos R$ 60 mil no tratamento.
O Bradesco, convênio da família, recusou-se a pagar parte dos procedimentos. Ela recorreu à Justiça, que obrigou o plano a arcar com todos os custos, mas nada mudou.
Com a liminar em mãos desde setembro, ela teve que remarcar na semana retrasada um exame, pois o convênio não havia autorizado.
‘É um desgaste, a gente paga, tem a liminar, mas o Bradesco alega que não conhece o exame. Fazem de tudo até você desistir ou pagar do próprio bolso.’ Em março, ela já havia pago R$ 2.800 pelo mesmo exame”
Câncer, como várias outras doenças, tem uma possibilidade de cura muito maior se tratado no início. Algumas doenças, embora sejam irreversíveis, o tratamento iniciado cedo pode prolongar a vida do paciente de forma significativa. Outras, embora não prolongue a expectativa de vida, diminui a dor e sofrimento do paciente. Logo, quando um convênio de saúde retarda o tratamento da doença de forma negligente ou proposital, ela não está apenas rompendo uma cláusula contratual: ela está também gerando um direito de ressarcimento.
A razão pela qual muitas dessas empresas retardam ao máximo o pagamento do tratamento é que se o paciente morrer, o custo cai significativamente. Ou, alternativamente, se a condição se agravar ao ponto de o tratamento já não fazer diferença, o tratamento não precisa ser autorizado (pelas regras contratuais, a empresa só precisa pagar pelo tratamento se ele for clinicamente viável, ou seja, tiver probabilidade de efeitos positivos). Novamente, o custo cai significativamente.
A lógica financeira dos convênios – assim como a de todo seguro – é macabramente irônica: ao pagar pelo seguro você está apostando que uma tragédia acontecerá em sua vida; e a seguradora está apostando que tal tragédia não acontecerá. Se a tragédia acontecer, a seguradora tentará minimizar seus custos, seja alegando que não era isso que foi contratado, ou que era isso mas algo ocorreu que exclui sua obrigação de pagar, ou que o valor assegurado é menor do que aquele alegado pelo assegurado.
No caso dos convênios de saúde, se o paciente vier a morrer ou sofrer a mais por conta do atraso causado pelo convênio ou ter sua vida encurtada, o direito de indenização do paciente não morre com ele: ele passa para seu espólio. O convênio ainda pode ser processado pelas perdas e danos causados ao paciente enquanto ele estava vivo. Por exemplo, uma redução dos anos de vida da pessoa tem um valor financeiro, e o convênio se torna civilmente responsável se ele atrasou de forma negligente ou dolosa o pagamento do tratamento e isso diminuiu a vida do paciente.
Mas se os convênios vão ter de pagar de qualquer jeito, por que ainda atrasam ou se negam a pagar?
Há, no mínimo, três razões.
A primeira é porque é difícil provarmos que sofremos a mais do que sofreríamos ou que morremos mais cedo do que morreríamos por conta da morosidade do convênio. E igualmente complicado é dar um valor financeiro a esse tempo a menos de vida ou ao sofrimento e dor.
Segundo, porque ao morrer, a principal testemunha não poderá mais prestar informação no processo. E como o ônus da prova é de quem alega (espólio/herdeiros) e não de quem defende (convênio), fica muito mais difícil ganhar a causa.
Por fim, porque herdeiros normalmente tratam a herança como um presente. Algo a mais, inesperado, e pelo qual não precisaram lutar. O valor a ser recuperado na Justiça, por outro lado, necessitará de seu empenho, tomará tempo e gerará dor de cabeça. Como já estão recebendo um ‘presente’ (a herança), acabam se contentando com isso e ignoram outros direitos do morto que lhes demandariam tempo e trabalho.
E é nisso que os convênios apostam.
Por outro lado, se todos reclamassem seus direitos na Justiça, os convênios passariam a ‘jogar limpo’. Ainda seria difícil provar culpa do convênio (os dois primeiros pontos acima), mas o custo de ter de responder muitos processos seria tão alto que passaria a ficar mais em conta para os convênios simplesmente cumprirem suas obrigações.
Em tempo: se o paciente pagar de seu próprio bolso, ele depois pode pedir o ressarcimento do convênio. O problema é que a maior parte dos pacientes tem convênio justamente porque não tem recursos suficientes para arcar com tais despesas.