“O Conar (Conselho Nacional de Regulamentação Publicitária) determinou a retirada de algumas peças da campanha da cerveja Devassa Bem Loura, estrelada pela socialite americana Paris Hilton. A retirada, por meio de medida liminar, é imediata e cobre peças veiculadas em televisão, rádio, mídia impressa e internet.
A campanha, assinada pela agência Mood, foi lançada durante o Carnaval, com Paris Hilton marcando presença no camarote da cervejaria Schincariol na Marquês de Sapucaí.
A liminar foi concedida na noite de sexta-feira e decorre de três processos abertos pelo Conar para investigar se a campanha fere o código de autoregulamentação publicitária no que diz respeito ao apelo sensual. O Conar acolheu denúncias da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, que considerou a campanha sexista e desrespeitosa, e também de consumidores comuns. A liminar vale até o julgamento dos processos, o que deve acontecer na próxima reunião do Conar, marcada para o fim deste mês. A Schincariol já foi notificada e tem uma semana para apresentar sua defesa.”
A idéia por trás de qualquer normal jurídica é que sua aceitação é obrigatória: não importa se você gosta ou não, você terá de cumprir ou será punido. A idéia por trás da moral, por sua vez, é que sua aceitação é pessoal: outras pessoas podem até fazer cara feia ou não gostarem de suas opções, mas se você não acha que isso ou aquilo é imoral, não há nada que possamos fazer a respeito (talvez, exceto, tentar convencê-lo do contrário).
A autorregulamentação paira entre esses dois mundos. É uma forma das pessoas (físicas ou jurídicas) de dizerem de forma expressa ao resto da sociedade quais os limites da moralidade pelo qual irão se guiar.
O Conar é uma institucionalização da autorregulamentação no campo publicitário. Mas, na verdade, é um animal estranho até no campo da autorregulamentação. A idéia da autorregulamentação é a de que “eu me observo e eu estabeleço quais os meus próprios limites”. Se uma instituição precisa ser criada para fazer observar as barreiras da autorregulamentação, trata-se de autorregulamentação ou de uma norma disfarçada?
A razão pela qual o Conar caminha nessa tênue linha é porque, na verdade, ele surgiu na década de 70 como uma tentativa do setor publicitário de prevenir que o governo militar estabelecesse uma lei que seria ainda pior para o setor. Em outras palavras, o Conar foi uma tentativa do setor de apaziguar o governo e evitar que o governo impusesse normas ainda mais restritivas. É como uma criança que promete aos pais que nunca mais irá escrever na parede na tentativa de evitar ser enviada para o reformatório: se fosse pura autorregulamentação, ela provavelmente não teria banido completamente as paredes.
É sempre interessante tentar descobrir o que levou à criação de uma instituição que gere algum tipo de autorregulamentação. No caso do Conar, o governo queria estabelecer uma censura prévia de todas as peças publicitárias. Ou seja, apenas depois de pré-aprovada pelo governo é que uma peça poderia ser divulgada. Obviamente isso mataria toda possibilidade de criatividade e inovação do setor. Ademais, a aprovação poderia demorar meses, e talvez anos. Entre a auto-flagelação e a flagelação feita por um terceiro, a primeira alternativa é geralmente menos dolorosa.
Do ponto de vista jurídico, este tipo de instituição é quase uma variante dos tribunais arbitrais: eles existem porque as partes que o integram assim o querem, ele é gerido e gere as partes com base em normas criadas pelas partes e, via-de-regra, substituem uma função que, normalmente, seria exercida pelo Estado.