“O Ministério Público de SP informou que vai recorrer da condenação do médico Roger Abdelmassih, 67, para ampliar ainda mais a pena de 278 anos anunciada anteontem pela Justiça.
O principal objetivo desse recurso é evitar, segundo o promotor José Mário Barbuto (Gaeco), que Abdelmassih não cumpra nenhum dia sequer dessa condenação, além do período em que ficou preso - entre agosto e dezembro de 2009.
Essa possibilidade existe porque, como está, segundo a Promotoria, os crimes pelos quais ele foi condenado vão prescrever no final de 2016. Basta que a defesa consiga protelar e não haja uma condenação definitiva até lá.
Abdelmassih foi condenado a uma pena mínima de seis anos para cada um dos crimes consumados e dois para cada uma das tentativas. Na soma, são 278 anos. Por lei, todos os crimes prescreveriam em 2022, mas o prazo cai pela metade quando o réu completa 70 anos (no caso dele, em 2013).
A partir de 2013, se ele não tiver sido condenado definitivamente, o prazo para prescrição cai para seis anos, como já terão se passado três anos, restarão outros três. (...)
Dúvidas sobre o caso Abdelmassih
1 - Se no Brasil ninguém pode ficar preso por mais de 30 anos, qual a relevância da condenação de 278 anos?
Pode ter influência no cálculo da progressão da pena -passagem para o regime semiaberto após o cumprimento de um sexto da sentença, no caso de réus primários. Alguns juízes, porém, consideram nesse cálculo o tempo máximo de reclusão de 30 anos e fazem a progressão para o semiaberto a partir de cinco anos de prisão.
(...)
3 - E se os crimes prescreverem antes do julgamento dos últimos recursos?
Os crimes pelos quais Abdelmassih é acusado prescrevem em, no máximo, 12 anos. Mas em 2013, quando ele completará 70 anos, a prescrição cai pela metade. Nesse caso, se não houver uma condenação definitiva até 2016, ele ficará livre de todas as acusações”
Existe um erro no último parágrafo que nos ajuda a entender algo bem interessante sobre prescrição.
Como já vimos aqui, a prescrição penal ocorre quando o Estado deixa passar muito tempo até conseguir processar ou condenar ou julgar os recursos contra a condenação ou (re)começar a punir o criminoso foragido. Ele deixa passar tanto tempo que seria injusto deixar o réu viver com aquela espada no pescoço para sempre.
O crime de estupro tem penas que variam entre 6 e 10 anos. Nosso Código Penal diz que crimes apenados com pena máxima de 10 anos prescrevem depois de 16 anos (art 109, inciso II de nosso Código Penal), o que é diferente do que a matéria afirmou.
Se lermos com cuidado o caput (o primeiro parágrafo) do artigo 109, vamos ver o seguinte: “a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código [quando a acusação já não pode mais recorrer], regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime”.
A lei diz ‘depois que houver o trânsito em julgado’, ou seja, quando não há mais possibilidade de recursos (ou não há mais possibilidade de a acusação apresentar recursos). Mas o réu da matéria acima ainda não foi condenado de forma definitiva. Tanto é assim que a matéria é justamente sobre o recurso que a acusação pretende apresentar. Logo, a prescrição só ocorrerá depois de 16 anos. Isso é o que chamamos de prescrição da prentensão punitiva.
Então de onde o jornalista tirou os 12 anos da matéria acima?
A confusão é porque ele se referiu ao artigo 110, que diz que depois de transitada em julgada, a prescrição é feita baseada na pena concreta (aquela aplicada ao réu).
Vamos imagina que já não houvesse mais possibilidade de recurso (ou seja, que a sentença houvesse transitado em julgado) e que a pena final houvesse sido, de fato, 6 anos para cada crime. Nesse caso, o magistrado usaria não a pena máxima prevista em lei (10 anos), mas a pena realmente aplicada ao réu. No caso da matéria acima, 6 anos. Baseado nesses 6 anos, ele veria que a lei determina que crimes apenados com 6 anos de prisão prescrevem em 12 anos. Isso é o que chamamos de prescrição da pretensão executória, ou às vezes também chamada de prescrição retroativa.