“Aborto e casamento gay são temas de eleição, diz CNBB
O secretário-geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), dom Leonardo Steiner, afirmou ser a favor de debater o aborto nas eleições municipais deste ano, assim como corrupção, casamento entre gays e outros temas que dizem respeito ‘ao direito da pessoa humana’ (…)
Sobre a queda do número de católicos no Brasil, o secretário-geral da CNBB disse ter dúvidas sobre a metodologia do IBGE no Censo que apontou uma perda de 1,7 milhão de fieis no período de 2000 a 2010. Disse que o número de sacerdotes católicos subiu de 18 mil para 22 mil.
Folha/UOL - Qual é a diretriz da CNBB para as eleições municipais deste ano?
Dom Leonardo - Votem em ficha limpa. Foi uma longa batalha, na qual a CNBB se engajou. Não podemos voltar atrás. Eleições municipais são mais disputadas, mais intensas. Da nossa parte, existe o desejo de darmos uma orientação da boa escolha daqueles que hão de cuidar do município.
Temas nacionais também devem estar presentes, como aborto e casamento entre pessoas do mesmo sexo?
Deve fazer parte do debate das eleições municipais sempre aquilo que diz respeito ao direito da pessoa humana. A questão da corrupção, da ficha limpa.
Mas é legítimo um candidato a prefeito apresentar como tema de discussão a liberalização do aborto?
O debate ele tem que ser livre. As pessoas podem e devem ter o direito de expressar suas concepções. Ajuda muito ao eleitor quando ele [candidato] coloca a questão do aborto, a questão da corrupção. Mas não só para angariar voto, mas como uma questão realmente política.”
A declaração acima é um exemplo de politização incorreta de assuntos relevantes.
Se igrejas, eleitores ou candidatos são a favor ou contra aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo, pena de morte ou liberação das drogas, não vem ao caso nessas eleições: são todos assuntos federais, e as eleições de 2012 são para cargos municipais, apenas.
O vereador ou prefeito pode, quando muito, dar pitaco ou tentar pressionar algum deputado federal ou senador, mas ele não tem qualquer poder para legislar. Com 59.764 vereadores e 5.565 prefeitos (mais ou menos 116 e 11 para cada deputado federal, respectivamente), o poder de influência que têm é – quando muito – extremamente diluído. Especialmente se levarmos em conta que deputados federais e senadores são muito mais propensos a serem influenciados por deputados estaduais e governadores.
Ao contrário de outras federações – os EUA como exemplo mais claro -, no Brasil o poder das esferas estadual e municipal é bem reduzido. Isso porque no Brasil temos o que chamamos de federalismo por desagregação (ou, para complicar, ‘federalismo centrífugo’). Isso significa que o poder central é que delega poderes aos poderes estaduais e municipais.
Já os EUA têm o que se chama de federalismo por agregação (ou ‘federalismo centrípeto’), o que significa que o poder maior reside não no governo central, mas nos governos estaduais. O governo norte-americano só existe porque os 50 Estados o autorizam a existir (o nome do país dá uma ótima ideia de como o federalismo centrípeto funciona: ‘Estados Unidos da América’).
Como consequência de nosso tipo de federalismo, assuntos essenciais à nação – como direito penal e direito de família – só podem ser legislados pelo Congresso Nacional. É por isso que aborto (questão penal) e casamento homossexual (questão de família) é assunto do Congresso Nacional.
Se você comparar com os EUA, verá que lá cada Estado faz suas próprias leis penais e civis. Por isso alguns Estados permitem o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e outros não; e Estados diferentes têm leis diferentes sobre até quando se pode fazer o aborto. O poder central nos EUA abrange apenas aquilo que os Estados não quiseram para si ou decidiram que precisava ser aplicado uniformemente em todos os Estados, como o direito à privacidade, que está na Carta de Direitos Humanos dos EUA (e que é a base jurídica na qual a Suprema Corte americana decidiu, em 1973, que era ilegal os Estados proibirem o aborto. Segundo a Suprema Corte, eles têm o direito de legislar a respeito, mas não podem proibir porque isso fere o direito à privacidade: o que a mãe faz com seu corpo é assunto privado dela, desde que respeitados alguns limites).
O problema de politizar assuntos tão importantes nas eleições erradas é que ele distrai o eleitor: de que adianta votar em um candidato com base em sua plataforma sobre um assunto sobre o qual ele não pode legislar? (Você não escolhe seu médico baseado em quão bem ele cozinha) Enquanto isso, eleitor e candidato poderiam estar debatendo assuntos que realmente importam nessas eleições.