“Angela Merkel backs circumcision right after German ruling
The German government says Jewish and Muslim communities should be able to continue the practice of circumcision, after a regional court ruled it amounted to bodily harm.
Chancellor Angela Merkel's spokesman said it was a case of protecting religious freedom.
Steffen Seibert said: ‘Circumcision carried out in a responsible manner must be possible without punishment.’
European Jewish and Muslim groups had criticised the Cologne court ruling.
The case involved a doctor who carried out a circumcision on a four-year-old that led to medical complications.
The court said that a child's right to physical integrity trumped religious and parental rights”
A notícia diz que um tribunal alemão proibiu a prática de circuncisão, o que afeta diretamente crianças judias e mulçumanas. Segundo o tribunal, o direito à integridade física da criança é mais importante do que o direito à religião dos pais.
O assunto é interessante não só porque coloca dois direitos em choque, mas também traz à tona o debate sobre quando você passa a ter uma religião e qual é o limite para o exercício de sua religião.
Se um médico abre um buraco em você para retirar um rim ou remover sua perna, ele faz isso para salvar sua saúde, ainda que tenha causado uma lesão corporal gravíssima em você. Logo, não é processado. Mas e se for para salvar sua alma ou melhorá-la?
A ideia por trás da circuncisão é mais ou menos a mesma. É uma prática religiosa milenar e faz parte da comunhão entre a criança, seu deus e seus pares. Na tradição judaica, o menino deve ser circuncisado no oitavo dia após o nascimento.
Mas há um detalhe aqui: a criança no seu oitavo dia de vida – do ponto de vista racional – não faz a menor ideia do que seja deus e muito menos elegeu professar essa ou aquela religião. Ela quer apenas leite materno, um bom cobertor e muito carinho. Quem escolheu foram seus pais. Logo, os pais estariam não só impondo a religião na criança (o que, em si, já iria contra a ideia de liberdade religiosa), mas também causando uma lesão corporal nela em nome dessa religião. Justifica-se? O debate é interminável, mas há algumas considerações importantes dos dois lados para quem quer que queira formular uma opinião inteligente:
Religião não é algo racional, mas dogmático. Você não justifica sua crença porque ela é lógica, mas porque você acredita em suas doutrinas. Milagres são milagres justamente porque não conseguem ser justificados racionalmente. Religião é uma relação emocional (ou espiritual), e não racional. Logo, esperar que a criança desenvolva intelectualmente para que possa professar uma religião pode ser perda de tempo. Não será quão inteligente ela é que determinará se ela professa uma religião, mas se ela aceita os dogmas dessa ou daquela fé. Isso torna medir o momento certo para dizer que ela já pode escolher ainda mais difícil. Conseguimos julgar o desenvolvimento intelectual de uma pessoa através de exames, mas não seu ‘desenvolvimento espiritual’. Não há um teste para saber se você já pode acreditar em deus, deuses ou outras entidades. A bem da verdade, sua possibilidade de acreditar naquilo que não é racional é muito maior quando você é mais novo. Basta reparar quantos amigos imaginários seu filho pequeno tem e quantos você, adulto, tem.
Queiramos ou não, crescemos dentro de um mundo religioso. E somos religiosos justamente porque nossos pais e sociedade nos educaram dessa forma. Qual seria a consequência de proibirmos os pais de influenciarem o desenvolvimento religioso dos filhos? Não estaríamos tolhendo o direito dos pais? E não estaríamos privando a criança da oportunidade de ter uma crença? Ou a estaríamos protegendo contra uma lavagem cerebral, sentimentos de culpa etc até que ela possa fazer suas próprias escolhas?
Quando seria adequado deixarmos a criança escolher sua orientação religiosa? E o que fazer se ela resolver ser judia e agora já for tarde demais para ela fazer uma circuncisão que, por tradição, deveria ter sido feita logo após seu nascimento? Já não a privamos de algo fundamental em sua religião?
Qual a diferença entre permitir ou proibir a circuncisão do menino e a da menina praticada em partes da África? Ou em relação a outros rituais religiosos, como o sacrifício de animais ou mesmo de pessoas? Qual a diferença de retirar sangue, beber sangue ou flagelar alguém? E suicídios em massa? Quais são e onde estão os limites e quem deve impô-los?
Se formos proibir a circuncisão, não deveríamos também proibir furar a orelha para colocar um brinco no recém nascido? Ambos causam sofrimento através de uma lesão física, mas o primeiro é por uma finalidade religiosa e o segundo é puramente estético.
O que faz da circuncisão do menino é uma prática religiosa aceitável? Por quanto tempo uma nova prática precisa existir antes de fazer parte de uma tradição religiosa? Se eu fundar uma nova igreja e disser que cortar o lóbulo da orelha é parte da comunhão com nosso deus, esse ritual precisa ser praticado por quanto tempo para que seja aceito como religioso e merecedor do respeito alheio? Ou seria por um critério quantitativo: por quantas pessoas? Mas o fato de ser proibido enquanto não for religioso não seria uma forma de jamais deixá-lo tornar-se parte da tradição religiosa?
E quem decide o que é religioso? Seus líderes? Seus praticantes? O Estado? Um magistrado? Os legisladores? Os líderes de outras religiões? Os eleitores? Pense, por exemplo, no caso da circuncisão feminina: a vítima não tem poder de influencia a decisão. O que torna a circuncisão masculina aceitável mas o uso da burca inaceitável? (Pense nisso: a primeiro é irreversível e fere fisicamente; a segunda, não).
E como recompensar alguém que, depois de adulto, decide que não quer praticar tal religião. Ele terá de carregar consigo a marca física de uma decisão que foi tomada por ele. Ele tem direito a ser recompensado? E, se sim, como calcular o dano sofrido pela perda de algo que biologicamente não faz falta? Pela dor? Mas e se você consegue se lembrar da dor?
Por fim, quando é que uma prática até então aceita deixa de ser aceitável? Pense nos cintos de castidade, por exemplo.