“Resposta a resgate no Chipre preocupa países da zona do euro
A decisão dos ministros da zona do euro de aplicar impostos a todos os depósitos privados no Chipre em troca de um resgate financeiro de € 10 bilhões provocou temores de que a corrida aos bancos para retirar dinheiro durante o fim de semana se espalhe para outros países em crise na região, como a Espanha e a Itália.
Um acordo de emergência feito no sábado em Bruxelas prevê uma taxa de 9,9% sobre os depósitos de mais de € 100 mil e de 6,75% para os inferiores a esse valor -ou seja, os bancos confiscarão dinheiro diretamente da população para pagar a dívida do pacote de ajuda.
Obrigar os correntistas de bancos europeus a assumirem parte dos custos de pacotes fiscais é um tabu na Europa. No entanto, o presidente do Chipre, Nicos Anastasiades, disse que a decisão foi a única maneira de salvar da falência o país -cuja economia não representa nem meio por cento de todas as economias dos 17 países da zona do euro juntas.”
A fundação de qualquer Estado democrático capitalista está baseada em dois pilares: a proteção da pessoa e a proteção da propriedade. E, às vezes, para proteger o primeiro, é necessário deixarmos que outra pessoa proteja o segundo: para não termos ladrões entrando em nossas casas, deixamos nosso dinheiro em bancos. Daí se pode imaginar a importância do sistema bancário para manter a estabilidade democrática em qualquer país.
Mas bancos raramente realmente têm o dinheiro que achamos que eles têm. Isso porque eles emprestam o dinheiro depositado. Fulano deposita R$100 em sua conta. O banco empresta esses mesmos R$100 a Cicrano, que o mantêm depositado. O banco agora deve R$200 aos dois correntistas mas, na realidade, só existem R$100. O restante é moeda fictícia. Ela não existe. Se os dois correntistas tentarem sacar o dinheiro ao mesmo tempo, não conseguirão porque só existem R$100. Agora imagine uma economia com milhões de pessoas e você tem uma ideia da lacuna entre o dinheiro que realmente existe e aquilo que só existe contabilmente nos registros dos bancos.
Não há qualquer ilegalidade na conduta do banco. Pelo contrário: ele vive disso.
O ponto fundamental nessa frágil equação é que é essencial que a sociedade confie nas instituições bancárias. Se confiarem, saberão que, quando quiserem, o dinheiro estará lá, à sua disposição. O problema surge se elas deixarem de confiar no banco, pois todas tentarão sacar o dinheiro ao mesmo tempo. E aí o banco quebra.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com o Banco Nacional (aquele que patrocinava Ayrton Senna), em 1995.
Se isso acontece com vários bancos ao mesmo tempo, o sistema financeiro entra em colapso e, com ele, quase sempre a democracia. Foi o que aconteceu com a Alemanha na década de 1930, e alguns dirão que foi isso que aconteceu em 1990, com o Plano Collor.
O caso do Chipre não é muito diferente do que aconteceu no Plano Collor: o governo decreta um feriado bancário, impede as pessoas de sacarem o dinheiro em suas contas e retêm uma parte (ou a maior parte) do dinheiro depositado. N caso do Chipre, a ideia é usar o dinheiro dos próprios correntistas para tentar manter o sistema bancários vivo.
Mas o problema é que as pessoas param de confiar no sistema financeiro do país.
No caso do Chipre o problema é ainda mais grave porque outros países – Portugal, Espanha e Irlanda, por exemplo – estão em situação muito parecida e fazem parte da mesma união monetária. Logo, a desconfiança em um país pode, rapidamente, se espalhar para outros.
Se os correntistas dos outros países desconfiarem que o mesmo pode ocorrer em seus países, começarão a sacar o dinheiro preventivamente. Os bancos não terão moeda para pagar todos os correntistas ao mesmo tempo e, em pouco tempo, quebrarão, ou os governos terão de imprimir moeda em tempo recorde, o que aumentará a inflação, já que haverá muito dinheiro na economia.
Em qualquer das duas hipóteses, o confisco gera um resultado oposto ao desejado: cria maior instabilidade no sistema financeiro.
A única forma de evitar isso é se os correntistas continuarem confiando nos bancos.
Mas confiança não se constrói com leis, mas com condutas e com o passar do tempo. As leis existem justamente quando há desconfiança. Se o governo sempre agiu de determinada forma, você espera que ele continue agindo daquela forma. Se ele não cumpre as expectativas – como aconteceu na Europa (ou ao menos no Chipre) – a relação de confiança entre sociedade e Estado fica abalada, e as leis são necessárias.
O problema de tentar regulamentar a quebra de confiança no sistema bancário é que, a única forma de fazer isso é quebrar ainda mais a relação de confiança: como as pessoas não confiam mais no sistema, a única forma de impedir uma corrida aos bancos é proibir que as pessoas saquem mais do que uma determinada quantidade. E quanto mais tempo essa limitação durar, maior será a desconfiança. Enfim, torna-se um ciclo negativo difícil de ser rompido.