“Atiradores são mortos, e Europa terá ações antiterror”
Ele nasceu em uma próspera família burguesa. Tanto o avô quanto o pai foram advogados bem sucedidos. Frequentou boas escolas, onde teve ótimo desempenho. Tão bom que, com uma carta de recomendação do bispo, recebeu bolsa do governo para estudar direito em Paris. Graduado, recebeu uma outra bolsa de 12 anos por seu sucesso acadêmico e comportamento irreparável. Entre os alunos, foi ele o escolhido para fazer o discurso de boas vindas ao líder do país em sua escola. Como advogado e político, defendeu o fim da escravidão, apoiou o sufrágio universal, se opôs de forma veemente à pena de morte e à guerra, defendeu os ideais republicanos e provavelmente ninguém na história tenha sido tão apaixonado pelos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade como ele.
Tão apaixonado que entre 1793 e 1794, para usar a celebrizada frase de Hegel, Maximilien de Robespierre cortou as cabeças de seus inimigos como se fossem repolhos. Historiadores estimam que algo como 17 mil pescoços tenham ido parar na guilhotina. Foi sob seu comando que a palavra ‘terror’ foi usada no contexto político pela primeira vez na história, no que ficou conhecido como o ‘Reinado do Terror’.
O terror de Robespierre só terminou quando, aos 36 anos, ele mesmo foi guilhotinado (sem julgamento) por seus aliados.
Até hoje, quando usamos a palavra ‘terrorismo’, estamos nos referindo aos 18 meses do reinado de terror de Robespierre durante a revolução francesa.
A história é útil para nos lembrar que terroristas não nascem terroristas. Terroristas não parecem terroristas. Terroristas se tornam terroristas.
E terroristas se tornam terroristas mesmo quando – e muitas vezes porque – defendem ideais que todos nós aprovaríamos e provavelmente até mesmo defenderíamos.
Em algum momento, entre o ideal e a luta apaixonada por esse ideal, passam à intolerância daqueles que se opõem a eles.
Mesmo oposto à pena capital, Robespierre mandou seus opositores, seus supostos opositores e aqueles que um dia poderiam virar seus opositores, para a guilhotina porque a revolução ‘exigia’ medidas extremas na luta por um ideal maior.
O terror aparece de formas diferentes, em momentos diferentes da história, mas todas as suas manifestações têm em comum aquilo que inevitavelmente as torna ditaduras se conseguem chegar ao poder: a inabilidade de conviver com a diversidade, com o outro. A intolerância.
E, por irônico que seja, é essa inabilidade de tolerar o outro que leva inevitavelmente a seu fim.
O outro existirá sempre. Pela opressão o terror consegue silenciar o outro, mas silêncio não significa concordância. No silêncio, o outro continua a pensar, e mesmo a agir. Ao silenciar o outro, o terror se torna surdo aos anseios alheios enquanto esses anseios crescem e, invariavelmente, ressurgem de uma forma ou de outra. A força do terror é justamente a gênese de seu fim.
E é essa que a grande vantagem da democracia em relação a todos os outros demais sistemas já experimentados: ela é fraca, incrivelmente fraca.
É essa fraqueza, essa sua inabilidade de silenciar as pessoas, que preserva sua força. Ao possibilitar o diálogo, ela traz à tona as ansiedades e aspirações de cada um e possibilita a negociação. As normas jurídicas e morais que nascem desse diálogo se tornam aceitáveis porque nascem do diálogo e não do silêncio.
Mas, como a história de Robespierre lembra, é muito fácil cruzarmos a fina linha que separa o diálogo necessário à democracia e a intransigência, intolerância e opressão características do terror.
Terroristas não nascem terroristas. Terroristas não parecem terroristas. Terroristas se tornam terroristas na luta por seus ideais quando deixam de aceitar a possibilidade de uma visão de mundo diferente da sua, de ideais diferentes dos seus.
Daí por que é possível que na luta para preservar a democracia nos tornemos nosso pior inimigo.