“Revolta da sacolinha
Elogiados por ambientalistas, novos sacos de compra viram motivo de irritação para parte dos paulistanos; preço e cobrança onde não há coleta seletiva são algumas das principais reclamações na cidade”
O debate sobre a cobrança pelas sacolas plásticas é interessante por vários motivos. Do ponto de vista econômico, a cobrança é um exemplo clássico da necessidade de o governo impor soluções para evitar que todos nós peguemos carona no esforço alheio. Se a cobrança é voluntária, eu não vou pagar por ela porque se eu pagar e ninguém mais pagar, eu serei o otário. Se eu não pagar e todos os demais pagarem, minha conduta fará pouca diferença. Como todos pensamos exatamente dessa forma, ninguém paga e, assim, o problema não se resolve. A única forma de evitar esse dilema clássico da teoria dos jogos é o governo intervir e obrigar-nos a todos a pagar. Assim, ninguém pega carona no esforço alheio.
O mesmo ocorre se a cobrança fica a cargo da vontade dos supermercadistas. Aquele que não cobrar dos clientes vai atrair os clientes dos supermercados que cobrarem pela sacolinha. Novamente, a única forma de evitar o problema é o governo forçando a cobrança. Por impopular que seja, é a solução que evita que os espertos se beneficiem do esforço alheio.
Mas há dois debates importantes que é comum serem deixados de lado.
Se consumidores são obrigados a pagar por algo, a pergunta mais natural é quem se beneficia desse pagamento.
Óbvio que supermercados têm um custo ao fornecerem as tais sacolinhas. Mas se antes forneciam gratuitamente, a dedução lógica é que esse custo estava embutido (e distribuído) no preço dos produtos comprados pelos consumidores. Se agora cobram pelas sacolinhas e o preço dos demais produtos não é reduzido proporcionalmente, há uma nova fonte de lucro. Logo, precisamos debater a quem deve pertencer tal lucro. Ao supermercado ou ao governo, para que seja reinvestido em iniciativas ambientais?
Quando cobranças são feitas para moldar comportamentos, a lógica é que o valor arrecadado seja repassado ao governo por dois motivos: para que possa ser reinvestido em iniciativas que visem moldar o comportamento e, principalmente, para alinhar os interesses de todas as partes.
Pense no que acontece com a tributação de cigarros. Os tributos são altos para que as pessoas não fumem. As empresas tabagistas recolhem os tributos dos contribuintes e repassam tais tributos ao governo. Se elas simplesmente recolhessem tais tributos e ficassem com eles para si como lucro extra, elas não seriam abrangidas pela política pública de diminuir o número de fumantes. Pelo contrário: seriam beneficiadas por essa política.
Da mesma forma, se supermercados cobram por sacolinhas e ficam com o lucro da venda, eles não são abrangidos pela política pública que visa diminuir o uso de tais sacolinhas. Pelo contrários: passam a ser beneficiados pela política. Quanto mais sacolinha, maior o lucro.
Em ambos os casos, as empresas teriam, na verdade, um incentivo para que as pessoas fumassem mais ou usassem mais sacolinhas, que é justamente o que o governo não quer que aconteça.
O segundo debate é se o valor cobrado de fato vai moldar o comportamento do consumidor, ou se estamos apenas criando mais uma fonte de lucro para supermercadistas ou de receita para o governo.
Para que a cobrança de fato molde o comportamento do consumidor – ou seja, para que passemos a levar nossas próprias sacolas quando formos ao supermercado – é preciso que o valor seja alto o suficiente para nos fazer pensar duas vezes antes de sair de casa sem nossas próprias sacolas.
Digamos que cada sacolinha custasse cem reais. Pouquíssimas pessoas pensariam duas vezes em fazer compra sem levar suas próprias sacolas. É por isso, por exemplo, que em países desenvolvidos a tributação de cigarros ou de carros esportivos que usam muito combustível é tão alta. Os consumidores precisam pensar duas vezes antes de incorrerem em tais custos, e isso ajuda a moldar o comportamento da sociedade.
Mas no caso da sacolinhas plásticas, o valor é relativamente baixo. A questão passa a ser se ele de fato é alto o suficiente para moldar o comportamento dos consumidores.
E aqui, resultado de nossa problemática distribuição de renda, entra um outro fator: as pessoas que mais necessitam de tais sacolas – justamente por não terem carros ou acesso a serviços de entrega a domicílio – são as mais pobres, para quem o valor da sacolinha de fato pode ser proporcionalmente alto relativo às suas rendas.
Nesse sentido, a cobrança pelas sacolinhas apresenta um problema idêntico ao de todos os tributos regressivos, aqueles cujos valores ou percentuais são fixos, não levando em conta a capacidade contributiva de quem paga. É o caso, por exemplo, de impostos como IPI, ICMS e contribuições como PIS e Cofins. Enquanto no imposto de renda, por exemplo, paga mais quem ganha mais, no IPI (e na sacolinha), pobres e ricos pagam a mesma coisa. Mas como o rico tem maior capacidade financeira, sofre menos os efeitos da cobrança e, por isso, a possibilidade de moldar sua conduta através de tal cobrança é bem menor. E é justamente o rico que, por comprar mais, consome uma maior quantidade de sacolinhas per capita.
E aqui um bom texto também na Folha de hoje cobrindo o assunto do ponto de vista ambiental.