“Juiz acusa empresas de praticar crimes para obter negócios
Para Moro, Lava Jato não serviu para coibir a corrupção nas empreiteiras, o que justificaria a prisão dos executivos”
Quase todo mundo sabe que juiz não acusa ninguém. Quem acusa é apenas o Ministério Público. Cabe ao magistrado apenas aceitar ou não as alegações do Ministério Público (ou da defesa) e deferir ou não o que o Ministério Público (ou a defesa) pediu.
Dizer que juiz acusa o suspeito é o mesmo que dizer que o carrasco condenou o réu, que o presidente aprovou uma lei, e assim por diante. Confunde as funções das diferentes instituições essenciais em uma democracia.
Vale lembrar: em um crime, a polícia investiga, o Ministério Público acusa, a defesa defende e o magistrado julga. Quem investiga não acusa. Quem acusa não julga. Essa separação institucional é essencial em qualquer democracia. Ela funciona como um sistema de freio e contrapesos.
Mas essa confusão constante nos jornais é também um exemplo de algo culturalmente perigoso em uma democracia incipiente: a personalização do poder. A favor ou contra, tendemos a nos deixarmos fascinar por personalidades como se fosse a pessoa, e não a instituição, a responsável por decisões e ações. Estado e sociedade dependem do indivíduo e não das instituições.
Um exemplo clássico é o nosso constante debate se ex-presidentes voltarão a se candidatar ao cargo. Como se o desenvolvimento do país dependesse dele (ou dela). Por isso passamos a endeusar ou odiar magistrados. E assim por diante. O foco é na pessoa, e não a instituição.
E isso é um perigo enorme pois sempre que encontramos percalços, passamos a falar em remover a pessoa (impeachment, aposentadoria de ministros de STF, prisão de deputados e assim por diante). Mas se removemos as pessoas e não consertamos as instituições, o problema continua o mesmo. É como mudar o pneu furado sem consertar o buraco na rua que constantemente fura os pneus. Sim, se o pneu furou e temos que trocá-lo. Mas sem arrumar o buraco, é questão de tempo até ele furar um novo pneu.
O problema dessa confusão entre indivíduo e instituição é que ela tende a levar a ditaduras. Pinochet, Stalin, Chaves (e agora Maduro), Hitler, Fidel Castro, Mussolini, a dinastia Kim, dos Santos, Pol Pot, Vargas, são todos ditadores, em maior ou menor grau de crueldade, de esquerda, centro e direita, em continentes diferentes e através de métodos distintos, que tinham apenas um único elemento em comum: personificavam o Estado. Ou como Luiz XIV – um ditador em forma de rei – disse, ‘l’état c’est moi’ (o ‘Estado sou eu’).
Em verdadeiras democracias, o Estado não é o indivíduo. A bem da verdade, não importa quem é o indivíduo. As instituições são tão fortes que indivíduos entram e saem sem que haja rupturas. Faça um teste rápido: você sabe o nome do primeiro-ministro da Noruega, Escócia, Islândia, Nova Zelândia ou Dinamarca? A vasta maioria das pessoas não conseguiria citar um nome sequer. E essas são as cinco nações mais democráticas do planeta e figuram sempre entre as com maior renda per capta e IDH do mundo. Por outro lado, você certamente saberá de que país cada um dos ditadores citados no parágrafo anterior pertencia, ainda tenham deixado suas sociedades em plena miséria.
Em verdadeiras democracias, se você cometeu um crime, será investigado, acusado e punido (e se for inocente, será absolvido), não importa quem é o delegado, membro do MP ou magistrado, simplesmente porque as instituições funcionam e exercem suas funções, e apenas as suas funções.