“STF cassa liminar que garantiu inscrição na OAB sem exame
O Supremo Tribunal Federal (STF) manteve nesta quarta-feira (1º) decisão do presidente da Corte, ministro Cezar Peluso, que no final do ano passado derrubou liminar que permitiu a inscrição de dois bacharéis em direito na seção cearense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sem a realização do exame da OAB.
O ministro levou em conta o efeito multiplicador da liminar suspensa diante da evidente possibilidade de surgirem pedidos no mesmo sentido. 'É notório o alto índice de reprovação nos exames realizados pelas seccionais da OAB, noticiado de forma recorrente pelos órgãos da imprensa. Nesses termos, todos os bacharéis que não lograram bom sucesso nas últimas provas serão potenciais autores de futuras ações para obter o mesmo provimento judicial', ressaltou o presidente na decisão datada de 31 de dezembro de 2010”
Apenas 12% dos candidatos foram aprovados na última prova do ano passado para se inscreverem como advogados na Ordem dos Advogados do Brasil. Na anterior foram 13%. Os reprovados, obviamente, querem que a prova seja facilitada para que esse recorde não seja repetido.
O que esquecemos é que a prova não serve para proteger advogados. A prova existe para proteger seus futuros clientes e a sociedade contra profissionais despreparados, que representam um real risco aos seus direitos.
Um mau advogado pode levar o cliente a perder todo seu patrimônio ou pode fazer com que seu cliente inocente fique preso por anos. Isso tem um custo emocional, social e financeiro para o cliente e para o país. Um inocente condenado é menos um trabalhador contribuindo na economia, e mais um preso custando aos contribuintes.
Imagine 95 mil novos médicos que não sabem onde fica o fígado autorizados a medicar a cada semestre. Você gostaria de se consultar com um deles? Pois bem, esse é o número de profissionais que a prova da OAB impediu que se tornassem advogados no segundo semestre do ano passado.
E reparem que a aprovação depende de apenas 50% de acertos. O que o teste indica é que, quem foi aprovado, sabe mais da metade do que foi perguntado. Não que sabe tudo ou quase tudo. Se o percentual para aprovação subisse para, digamos, 75% (de cada quatro perguntas você pode errar uma), o número de aprovados cairia para algumas poucas centenas. Imagine o seu médico cometendo um erro a cada quatro visitas.
Por outro lado, o poder de controle do estudante é mínimo já que ele paga mensalmente e só percebe que não aprendeu o mínimo necessário para exercer sua profissão cinco anos depois. É a mesma coisa que pagar adiantado as prestações da casa comprada na planta por cinco anos e no dia da mudança descobrir que a casa é inabitável.
O estudante quer se formar para progredir na vida, mas tem pouco poder de controle sobre a qualidade do serviço prestado, já que há poucas escolas realmente boas, e elas têm um número limitado de lugares. Logo, o estudante só percebe o dano sofrido depois de formado.
Pois bem, mesmo em países capitalistas - e nossa Constituição estabelece que vivemos em uma economia capitalista -, se não é possível para os atores econômicos resolverem um problema de oferta e demanda, o estado precisa intervir. E o que isso tem a ver com o problema com a prova da OAB? Muito.
Os clientes e os estudantes formam o que os economistas chamam de demanda. Os clientes demandam serviços dos advogados e os estudantes demandam serviços das universidades que formam esses advogados. Mas essa é uma demanda inelástica, ou seja, não importa se os preços dos advogados ou as mensalidades das faculdades de direito aumentam ou a qualidade cai: a demanda continua mais ou menos a mesma: as pessoas ainda precisam de advogados para defenderem seus direitos e os estudantes ainda sonham em ter uma profissão que lhes tragam um bom futuro.
Quando a demanda é inelástica, se não é possível exercer o controle individualmente, cabe ao governo exercê-lo em nome da sociedade. É por isso, por exemplo, que temos os tributos: todos queremos viver em um país melhor, mas nenhum de nós, individualmente, teria dinheiro para melhora-lo sozinho. Logo, o governo precisa intervir e impor os tributos.
Se usarmos a mesma lógica no caso do controle de qualidade dos cursos de direito, o governo também precisaria intervir, certo? Mas o que o governo poderia fazer no caso da OAB? A resposta mais óbvia é fechar as más escolas. Mas aí dezenas de milhares de estudantes que querem estudar direito - ou já estejam estudando naquelas faculdades - não conseguiriam entrar e/ou terminar o curso de direito. E não podemos nos esquecer que alguns estudantes dessas faculdades, ainda que elas sejam ruins, ainda conseguem passar no exame. É justo impedir esses alunos mais esforçados de concluírem seu curso simplesmente porque estudaram em uma má escola? Não seriam esses alunos justamente aqueles que mais deveriam ser ajudados?
Enfim, a questão é muito mais complicada do que parece.
PS: Apenas para lembrar, ao contrário do que ocorre em outros países, no Brasil não há prova para que os médicos possam ingressar no Conselho Regional de Medicina (CRM). O mesmo ocorre com outras profissões regulamentadas, como odontologia, engenharia, enfermagem, veterinária, farmacologia e arquitetura.