“Sob risco de crise, STF adia definição sobre cassação de deputados
Em uma sessão de julgamento inconclusiva, o STF (Supremo Tribunal Federal) indicou ontem que vai declarar a cassação do mandato dos três deputados condenados no processo do mensalão, o que poderá abrir uma crise com a Câmara.
Ontem o placar estava em 4 votos a 4 quando o presidente do Supremo e relator do processo, Joaquim Barbosa, encerrou a sessão sem que Celso de Mello anunciasse o voto, o que será feito amanhã.
Mello já indicou que deverá seguir o entendimento de Barbosa e determinar que a condenação do Supremo obriga o parlamentar a sair do cargo, cabendo à Câmara apenas formalizar o ato.
A Câmara tem manifestado resistência em seguir essa possível decisão, o que foi reforçado ontem pelo presidente da Casa, deputado Marco Maia (PT-RS) (...)
‘A Câmara não pode se subjugar a uma decisão que afronta a Constituição. Não estamos vivendo um regime de exceção, uma ditadura. Teremos uma crise que vai ter que ser resolvida no âmbito da negociação’, afirmou”
A Constituição diz em seu artigo 55 que “perderá o mandato o Deputado ou Senador (…) VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado”. E o §2º diz que “nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa”.
Para alguns ministros, tão logo alguém seja condenado penalmente de forma irrecorrível, ele deve perder o mandato. Tem lógica. Afinal, o condenado à prisão não pode sequer votar enquanto está cumprindo sua pena. Muitas vezes não pode sair da prisão. Logo, como é que ele compareceria ao Congresso? E como deixar alguém que não pode votar, ser eleito ou comparecer às votações, continuar tendo o direito de representar os eleitores? E se em vez de corrupto ele fosse um homicida com boas conexões no Congresso? Não podemos nos esquecer que já tivemos deputados que matavam opositores com serra elétrica.
Pior: qual seria a mensagem aos eleitores, à sociedade brasileira e à comunidade internacional se o país tiver criminosos presos exercendo seus mandatos como parlamentares?
Mas se lermos com atenção o §2º acima, ele de fato diz que a perda do mandato, em caso de condenação criminal, é decidida pela Câmara. Ele até dá a receita de como essa decisão deve ser tomada (voto secreto e por maioria absoluta).
Como pode a Constituição possibilitar que um criminoso não perca seu mandato automaticamente?
Há três explicações bem diferentes.
A primeira é que é uma forma de proteção da democracia. A Constituição de 1988 foi promulgada logo depois do fim da ditadura militar, onde 173 deputados federais foram cassados. A nova Constituição tentou proteger os mandatos para que isso não voltasse a acontecer.
Afinal, como é o presidente da República quem nomeia os ministros do STF, em uma ditadura, ainda poderiam haver cassações através de condenações criminais espúrias. Logo, os constituintes decidiram que somente as casas do próprio Congresso podem determinar que um congressista eleito democraticamente possa perder seu mandato.
A segunda explicação é que os congressistas estavam legislando em causa própria. Afinal, é muito mais fácil angariar apoio de seus próprios colegas do que de magistrados.
Mas existe uma outra explicação, da qual quase sempre esquecemos: eles não sabiam o que estavam fazendo.
Nem sempre os legisladores têm claro o que querem. Se o que você tem em mente não está claro para você mesmo, como é que você pode expressar suas ideias de forma clara no papel? E mesmo quando têm, muitas vezes não conseguem exprimir o que querem no projeto que estão votando. Una isso ao fato de que a Constituição era algo novo – nenhum dos constituintes de 1988 havia participado na elaboração da Constituição de 1946, a última elaborada democraticamente – e veremos a elaboração da Constituição de 1988 foi um processo de tentativa e erro.
É por isso que ao longo dos últimos 24 anos estamos descobrindo vários ‘buracos’ na Constituição. Normas que deveriam funcionar na teoria mas que, quando testadas na prática, geram resultados que são ou parecem absurdos. É o que aconteceu no caso do ex-presidente Collor, que renunciou logo antes de seu impeachment ser votado em 1992. Em teoria, ele não poderia mais sofrer o impeachment porque já não havia um mandato.
Como tribunal Constitucional, o STF acaba tendo de julgar aquilo está na norma e aquilo que deveria estar na norma.
Em uma democracia, o Judiciário não legisla, mas interpreta aquilo que foi legislado. Por outro lado, cabe a ele interpretar aquilo que não está claro na norma. E, mais importante, cabe a ele dizer o que está claro e o que não está claro. Ele pode dizer que aquilo que parece controverso é claro, e se negar a julgar; ou pode dizer que a norma que parece clara não o é, e se dar o direito de decidir como melhor interpretá-la. E é aí que entra a discussão sobre a cassação automática dos mandatos.