“Condenado, Cachoeira passa lua de mel no sul da Bahia
Após oficializarem a união em Goiânia, no fim do ano passado, o empresário Carlos Cachoeira e a mulher, Andressa Mendonça, viajaram para a península de Maraú, no sul da Bahia, onde passam a lua de mel (...)
Com diárias que chegam a R$ 3.000, o resort tem uma pista de pouso particular, uma piscina de 800 m², e dispõe de lanchas para passeios para ilhas da região, além de barcos para pesca esportiva (…)
Condenado em dezembro a 39 anos e 8 meses de prisão por diversos crimes, como corrupção ativa, formação de quadrilha e peculato, em um processo originado da Operação Monte Carlo, da Polícia Federal (PF), Cachoeira é obrigado a avisar a Justiça sempre que se ausentar de Goiânia. Viagens para fora do país estão proibidas"
Já explicamos aqui os elementos técnicos do habeas corpus no caso acima. Mas o caso também ilustra uma política criminal, que vale ser analisada.
Como pode alguém condenado a cumprir quase 40 anos em regime inicialmente fechado estar passando lua de mel em um hotel de luxo?
Quando um condenado cumprindo pena precisa de tratamento médico urgente ou algum familiar muito próximo faleceu, ele tem a chamada permissão de saída. É o que aconteceu, por exemplo, com o ex-presidente Lula que, quando estava preso durante a ditadura, pode ir ao funeral da mãe.
Mas esse não é o caso da matéria acima. Lua de mel não entra na lista da permissão de saída. Se condenados pudessem sair para passar a lua de mel fora da prisão, todos os presos estariam casados.
O que aconteceu na matéria acima é que ainda não há sentença transitada em julgado.
Como acontece em todas as democracias, partimos da presunção de que o réu é inocente. Mas ao contrário do que acontece em diversas democracias, a estrutura de nosso código de processo penal indica que nos casos de condenação também há a ‘presunção’ de que o magistrado de primeira instância pode estar errado e por isso o réu tem o direito de recorrer através de uma apelação. Até aí, não há problema:
Juntando esses dois elementos - o réu é inocente até que se prove em contrário, e o réu condenado tem sempre direito a apelar -, temos uma situação jurídica, na qual o magistrado de primeira instância frequentemente diz “ele é culpado”, mas mantêm o réu solto porque é necessária uma ‘segunda opinião’ daqueles acima na hierarquia: desembargadores, no caso da Justiça Estadual; e juízes federais dos TRFs, no caso da Justiça Federal.
Aí é que entra a peculiaridade da legislação brasileira: a legislação processual penal permite que na maioria dos casos o réu recorra em liberdade, dando a entender que o juiz de primeira instância não só pode estar errado, mas que ele provavelmente está errado. Afinal, se ele provavelmente estivesse certo, o réu deveria recorrer preso.
Se o juiz que condenou não conceder o direito de aguardar o recurso em liberdade, o advogado de defesa irá quase sempre impetrar habeas corpus para garantir que seu cliente aguarde em liberdade o julgamento do recurso. Afinal, a presunção de inocência ainda é válida.
Compare isso, por exemplo, com várias outras democracias, onde, depois de condenado na primeira instância, a presunção de inocência acaba e ele normalmente aguarda preso a decisão sobre o recurso no qual tenta provar que houve falha em sua condenação.
No Brasil, depois que o condenado foi condenado em primeira instância, temos uma situação inusitada: se ele não recorrer (o que é raro), ele é considerado culpado. Mas se ele recorrer, ainda que ele tenha sido considerado culpado pelo magistrado de primeira instância, aquela sentença acaba funcionando – na maioria dos casos – como uma ‘indicação de que ele pode ser culpado’. Mas uma indicação tão frágil que, na maior parte das vezes, o condenado continua em liberdade, mesmo que o tamanho da pena imposta pelo magistrado no primeiro julgamento indique que o crime é grave.